Estudantes trans encontram em cursinhos LGBT o apoio para ingressar na faculdade

Três estudantes trans relatam a preparação para o ingresso no ensino superior e as dificuldades encontradas

Em 18/08/2017 08h53 , atualizado em 18/08/2017 13h35
Por Érica Caetano
Transvest é um cursinho de Minas Gerais voltado para pessoas LGBT
Crédito da Imagem: Transvest

O Brasil é, atualmente, o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia, em 2016, foram 127 assassinatos, uma proporção de uma morte a cada três dias. Para se ter noção, a expectativa de vida desse grupo é de 35 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos. 

Inúmeras são as histórias no país relacionadas ao preconceito contra o público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), exclusão e dificuldades de ingressar no mercado de trabalho. Quando conseguem um emprego, as pessoas trans ainda precisam lidar com questões relacionadas à homofobia, advinda de colegas de trabalho ou dos próprios superiores. Em muitos casos, as condições adversas as impedem de concluir o ensino médio ou fazer faculdade.

Pensando nisso e com o intuito de promover a reintegração social e o resgate da cidadania de indivíduos travestis e homens e mulheres transexuais, cursinhos pré-vestibulares e para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) específicos para esse público estão sendo criados.

Por meio desses cursinhos, travestis e transsexuais têm a oportunidade de concluir o ensino fundamental e médio, além de ter a possibilidade de adquirir qualificação profissional e desenvolver práticas de cidadania. Aqueles que frequentam as aulas recebem também atendimento psicossocial e pedagógico.

Transexual negra

Josiane Ribeiro tem 21 anos e é transexual. Ela estuda no Projeto Transvest, em Minas Gerais, desde março de 2017. Ainda não se decidiu sobre o curso em que quer prestar vestibular. Em 2016, ela conseguiu por meio do Sistema de Seleção Unificada (SiSU) ingressar no curso de Turismo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), mas por descuido perdeu a data de matrícula. 

Josiane afirma que o proconceito é ainda
maior por ser negra

Ela conta que antes de ir para o Transvest teve dificuldades de ingressar em outros preparatórios, que não eram específicos ao público LGBT, por ainda sentir muito preconceito nas instituições. 

Para ela, são inúmeras as dificuldades que um(a) estudante trans pode vir a enfrentar no meio acadêmico, na universidade. “A primeira é conseguir entrar, ainda mais no meu caso, que também sou negra, o que agrava bem mais as coisas. Aí depois que você está lá dentro, ainda tem toda aquela situação de preconceito, pelos próprios estudantes, a questão do nome social, muitos ainda não possuem o nome retificado e acabam passando por situações constrangedoras e vexatórias, já que a maioria das instituições não respeita isso”, afirma. 

A estudante relata também histórias de abusos que conhecidos já sofreram. “Já ouvi muitas histórias tristes, uma amiga contou que uma colega foi estuprada dentro do alojamento masculino de uma Universidade, pois ela não tinha os documentos retificados e não teve o nome social respeitado. Após relatar o ocorrido à instituição, nada foi feito e ela não pôde falar nada”.

“Eu não gostaria de fazer faculdade para não ter que passar por isso e essas dificuldades. Gostaria de fazer alguma coisa que me rendesse um dinheiro e que eu pudesse me estabilizar sem precisar passar por isso, mas como no Brasil é preciso de um título para você ser respeitada, vou tentar ingressar, mas confesso que irei com muito medo” - relata a estudante.

Josiane ainda não tem o nome retificado e, por isso, ainda a chamam pelo nome de batismo, que é masculino, o que a constrange bastante em diversas situações, já que sua aparência é feminina. Segundo Josiane,  “uma simples ida ao banheiro pode gerar uma grande confusão”.

O Transvest para ela hoje é uma família, já que ela se sente acolhida e mais forte. 

“O preparatório vem me mostrando que eu posso, que é possível lutar por justiça e igualdade com as armas que eu tenho, que são a minha voz e o meu conhecimento.” (Josiane Ribeiro)

“Iniciativas como esta são coisas maravilhosas para nós. Que projetos como este continuem resgatando outras pessoas trans em situações de vulnerabilidade, que precisam tocar a vida mas necessitam de apoio, de carinho, de uma palavra de incentivo – finaliza Josiane.

Nome social

Jocosa espera um dia registrar o
nome social

Jocosa Aguiar tem 18 anos e também estuda no Transvest. Se considera uma pessoa trans não binária fluida (não se reconhece 100% do sexo masculino e nem 100% do sexo feminino), e ainda tem dúvidas sobre qual curso quer prestar vestibular, pois são muitas as áreas pelas quais se interessa, como Física e Artes Visuais.

A sua maior barreira para ingressar em outros cursinhos preparatórios para o vestibular foi em relação à utilização do nome social e a questão financeira. “Antes de entrar no Transvest, procurei outros preparatórios pagos e sempre tive problemas no que diz respeito à aceitação do meu nome social. Tentava explicar se poderia ser chamado pelo nome social sem ainda ter os documentos retificados e a resposta era sempre: não sei te dizer! No cursinho faço só o Pré-Enem e tenho uma relação saudável com a turma, não tendo conflitos”

Jocosa comenta que prefere não informar o nome civil para evitar possíveis constrangimentos. 

“Ainda não atualizei meus documentos, já que o processo é muito mais burocrático quando se é trans e pobre.” (Jocosa Aguiar)

Dificuldades financeiras

A estudante Tiffany Maria já conseguiu alterar seus documentos com seu nome social, mas nem por isso autoriza falar ou ser chamada pelo nome de registro de nascimento. “Não falo meu nome de registro. Já retifiquei meus documentos e aquela pessoa não existe mais.” Ela tem 27 anos e foi uma das primeiras alunas do Transvest. 

Tiffany estuda para conseguir uma bolsa
pelo ProUni

A estudante prestou vestibular ano passado para o curso de Direito, passou e ganhou bolsa de 40% da mensalidade, mas ainda assim não conseguiu arcar com o restante, por não ter condições financeiras. Este ano ela quer fazer o Enem e, quem sabe, conseguir uma bolsa integral para começar o curso superior.

As dificuldades de ingressar em outros cursinhos não específicos para o público LGBT também aconteceram com Tiffany. “Eu tive muitas dificuldades para concluir o Ensino Médio e quando entrava em cursinhos supletivos sentia uma grande discriminação, inclusive na questão do nome social, já que só me chamavam pelo nome de registro e isso me deixava extremamente constrangida. Por conta disso, não tinha vontade de continuar”. 

Ela acredita que ainda hoje existe muito preconceito em relação aos transexuais, tanto nos cursinhos pré-vestibulares comuns quanto no meio acadêmico, mas que cursinhos como o Transvest estão mudando isso.

“Considero o cursinho uma grande família. Ele me acolheu, me tratou com respeito e me deu carinho, amor e atenção". (Tiffany Maria)

Os cursinhos Trans

Algumas ONGs e entidades em parceira com outros órgãos desenvolvem esse trabalho de resgate junto a estudantes homossexuais e transexuais em situações vulneráveis, proporcionando a eles preparação para a conclusão do Ensino Médio, para as provas de vestibulares e Enem, além de toda uma rede de apoio para essa parcela da população. 

Conheça alguns desses projetos:

Prepara Trans
Idealizado por estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG), em Goiânia, o Cursinho Prepara Trans é ligado à Coordenadoria de Ações Afirmativas da instituição e tem o objetivo principal de preparar pessoas transexuais, transgêneras e travestis para os vestibulares de Goiás e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Apesar de beneficiar prioritariamente travestis, transexuais e transgênero, havendo vagas, o projeto atende também gays, lésbicas e bissexuais.

O projeto também oferece formação integral, podendo participar das aulas estudantes com qualquer nível de formação.

Endereço: Faculdade de Educação da UFG - Rua 235, Sala 113, Goiânia/GO
Facebook: facebook.com/preparatrans
E-mail: preparatrans@gmail.com
Telefone: (62) 99266-2958 / 98155-7884

Transvest
O projeto TransVest, em Belo Horizonte-MG, tem como objetivo incluir a população trans na sociedade. O programa preza a arte como forma de expressão e libertação dos preconceitos existentes. São ministrados cursos de supletivo, de idiomas, de música e atividades que debatem a cultura de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBT). Os participantes também têm acesso ao preparatório para o Enem.

Endereço: Rua da Bahia, 1.148, Centro - Belo Horizonte/MG
Facebook: facebook.com/transvest
Site: TransVest.org
Telefone: (31) 99922-2666 (whatsapp)
E-mail: transvest@outlook.com

Transcidadania
Criado pela Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, o Programa Transcidadania é voltado para travestis, homens e mulheres transexuais que estão em situação de vulnerabilidade. 

No Transcidadania, os estudantes concluem os ensinos fundamental e médio, adquirirem qualificação profissional e desenvolvem práticas de cidadania. Aqueles que frequentam as aulas recebem também atendimento psicossocial, pedagógico e médico.

Endereço: Centro de Cidadania LGBT - Rua do Arouche, nº 23, 4º andar, República, São Paulo-SP.
Telefone: (11) 3106-8780 – Centro de Cidadania LGBT ou 0800-7701445 – Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de SP
E-mail: centrodecidadanialgbt@prefeitura.sp.gov.br ou smdhcgabinete@prefeitura.sp.gov.br  

Tô Passada
O Cursinho Tô Passada tem o objetivo de preparar a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) de Curitiba para ingresso no ensino superior. O projeto é uma iniciativa da ONG Transgrupo Marcela Prado, que tem por finalidade a promoção e defesa dos direitos humanos aos LGBT.

Endereço: Avenida Marechal Floriano Peixoto, 366, Cj 42, Centro – Curitiba/PR.
Telefone: (41) 3322-3129
E-mail: projetotopassada@gmail.com
Facebook: facebook.com/topassadactba