Guerra civil síria e ataque contra armas químicas

A guerra civil síria iniciou-se em 2011 e, atualmente, possui contornos totalmente distintos, que envolvem sectarismo religioso e os interesses internacionais no Oriente Médio.
Por Daniel Neves Silva

Imagens da destruição causada pela guerra em uma cidade síria nas proximidades de Palmira.
Imagens da destruição causada pela guerra em uma cidade síria nas proximidades de Palmira.
Crédito da Imagem: Shutterstock
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A guerra civil na Síria está em curso desde 2011 e é o conflito de maior repercussão internacional dos últimos anos. As raízes dessa guerra estão diretamente relacionadas com a Primavera Árabe, que se espalhou pelas nações islâmicas na virada de 2010 para 2011, na luta por melhorias democráticas. Atualmente, a guerra civil na Síria tem contornos totalmente distintos, que envolvem os interesses geopolíticos de diversas potências no Oriente Médio.

Essa guerra está constantemente em evidência por causa de todo o desastre humanitário que se instalou naquele país. Recentemente, um novo ataque químico realizado na Síria repercutiu internacionalmente e enfureceu as autoridades de nações ocidentais como Estados Unidos, França e Reino Unido.

Esse ataque com armas químicas aconteceu em Guta Oriental, no dia 8 de abril de 2018, e as estatísticas sobre o número de mortos varia de acordo com as diferentes fontes (o número mais aceito fala em 40 mortos). Esse é o terceiro ataque químico ocorrido na Síria ao longo desses anos de conflito. O ataque recente foi atribuído, pelos EUA e por outras nações, ao governo de Bashar al-Assad. O governo sírio e seus aliados (Irã e Rússia) negaram o envolvimento desse governo nessa ofensiva.

A resposta das potências ocidentais a esse ataque foi uma ofensiva contra diferentes posições estratégicas, onde, segundo os EUA, eram produzidos e armazenados os armamentos químicos do governo sírio. O ataque foi uma ação conjunta dos EUA, França e Reino Unido e lançou 105 mísseis contra pontos localizados em Damasco e Homs.

De acordo com os representantes dessas três nações, o ataque não faz parte de uma ação pela derrubada de Bashar al-Assad, mas é apenas uma resposta ao uso de armas químicas. Essa investida também chama a atenção pela possibilidade de escalada na tensão entre os EUA (opositor a Bashar) e a Rússia (aliada de Bashar).

A guerra civil síria já causou, aproximadamente, 500 mil mortes (há, no entanto, muita divergência entre as fontes que levantam essas estatísticas) e fez com que mais da metade da população síria fosse obrigada a abandonar suas casas. Atualmente, estima-se que mais de cinco milhões de pessoas tenham se refugiado no exterior.

Resumimos a seguir as principais questões que nos ajudam a entender esse conflito: as origens, os grupos internos que lutam entre si, os diferentes interesses internacionais nessa guerra e as formas como esse assunto pode ser cobrado no Enem.

Tópicos deste artigo

Origens do conflito

A guerra civil síria iniciou-se no começo de 2011 e está relacionada com os protestos ocorridos nesse país em razão da Primavera Árabe, que percorreu o mundo árabe a partir dos últimos meses de 2010. A Primavera Árabe consistiu basicamente em uma série de protestos em que a população exigia melhorias na qualidade de vida e avanços democráticos em seus países.

Esses protestos começaram em dezembro de 2010, na Tunísia, e espalharam-se pelas nações vizinhas. No caso da Síria, no começo de 2011, a população iniciou os protestos contra o ditador Bashar al-Assad, que governa o país desde 2000. Os primeiros movimentos desse tipo surgiram em março de 2011, em Deraa, no sul do país.

A situação na Síria começou a sair do controle quando as forças governamentais passaram a reprimir os protestos violentamente. Isso gerou uma resposta da população, que passou a pegar em armas para defender-se da violenta repressão do governo sírio. Esse quadro de tensão ampliou-se, e os confrontos entre esses grupos de rebeldes e as tropas do governo de al-Assad tomaram a dimensão de uma guerra civil.

A guerra na Síria começou, portanto, por motivações políticas entre os apoiadores e os opositores do regime de Bashar al-Assad. A continuidade e o crescimento da guerra fizeram com que ela tomasse proporções de sectarismo religioso, com o governo que representa a minoria xiita alauíta lutando contra as forças rebeldes de jihadistas sunitas. Atualmente, esse conflito tem importância fundamental para os interesses geopolíticos das nações envolvidas no Oriente Médio.

Quais são os grupos internos que estão envolvidos com a guerra?

Bashar al-Assad
Bashar al-Assad, ditador da Síria desde 2000, é acusado de ordenar três ataques químicos durante a guerra civil.*

Podemos dizer que há três grupos internos envolvidos na guerra civil síria: 

  • Oposição rebelde moderada; 
  • Oposição rebelde radicalizada, a qual concentra uma série de grupos fundamentalistas;
  • Tropas do governo, que lutam pela sustentação do regime de Bashar al-Assad.


No caso da oposição moderada, podem ser destacados os grupos curdos que atuam no norte do país. Os curdos são considerados atualmente o maior grupo étnico do mundo que não possui uma nação própria. Apresentam uma população que ultrapassa 35 milhões de pessoas, espalhadas por vários países. No caso da Síria, os curdos representam cerca de 10% da população.

A atuação dos curdos sírios na guerra intensificou-se, principalmente, por causa da ameaça do Estado Islâmico (EI), que perseguia e executava a população dessa origem. Assim, os curdos pegaram em armas para defender-se e, com o apoio financeiro e militar (fornecimento de armamentos) dos EUA, conseguiram praticamente erradicar a atuação do Estado Islâmico no norte da Síria. O território sob o domínio dos curdos é conhecido como Federação Democrática do Norte da Síria.

No caso da atuação dos grupos rebeldes radicais, existem diferentes grupos que atuam de maneira isolada em partes do território sírio. Um desses grupos de maior destaque na Síria é o braço armado da Al-Qaeda naquele país: o Hayat Tahrir al Sham. Esse grupo ficou conhecido inicialmente como Frente al-Nusra e, depois, passou a chamar-se Jabhat Fateh al-Sham.

Esse grupo surgiu sob o nome atual de Hayat Tahrir al-Sham a partir de meados de 2017 e foi resultado da fusão da antiga Frente al-Nusra (ou Jabhat Fateh al-Sham) com outros grupos sunitas fundamentalistas islâmicos. Outros grupos fundamentalistas que atuam nessa guerra são: Estado Islâmico, Jaysh al-Islam e o Ahrar al-Sham.

Por fim, há as tropas governamentais que lutam pela sustentação do governo de Bashar al-Assad. Essas forças passaram por diversas fases ao longo da guerra e, hoje, recebem o apoio intenso de Rússia e Irã. Atualmente, as forças de Bashar controlam grande parte do país e conseguiram reduzir consideravelmente a influência do Estado Islâmico, por exemplo.

O governo sírio, no entanto, segue lutando contra os rebeldes jihadistas em determinadas partes da Síria. O governo de Bashar al-Assad é um governo ditatorial (sendo a guerra resultado da repressão praticada pelo próprio governo) e foi responsável pela morte de milhares de civis (assim como os grupos jihadistas). 

Paradoxalmente, o governo de Bashar al-Assad possui um amplo apoio de parte da população síria, sobretudo das populações de xiitas alauítas, cristãos e drusos que se refugiam nas áreas sob o controle do governo. Isso ocorre porque os rebeldes jihadistas (que são sunitas) perseguem violentamente todas essas minorias.

Uma consideração importante, que nos ajuda a entender essa questão, é que o governo de Bashar al-Assad é laico, o que garante a existência de diferentes grupos religiosos no território sírio. Assim, apesar de ser uma nação majoritariamente islâmica, a existência de diferentes religiões era harmônica, e esse equilíbrio se alterou com o crescimento do sectarismo religioso no conflito a partir do fortalecimento dos grupos jihadistas.

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Quais são as nações estrangeiras que estão diretamente envolvidas com essa guerra?

A longa duração da guerra na Síria, a sua indefinição quanto à continuidade e todo o desastre humanitário em decorrência disso são, em grande parte, resultado da interferência estrangeira, que segue alimentando o conflito mesmo após sete anos de luta. Entre todas as nações envolvidas nessa guerra, destaca-se a atuação de Irã, Rússia, Estados Unidos, Turquia e Arábia Saudita.

Primeiramente, há uma convergência dos interesses de russos e iranianos dentro do que acontece na Síria. Ambas as nações são apoiadoras do regime de Bashar al-Assad e tiveram papel fundamental na manutenção de Bashar no poder, sobretudo em seu momento mais delicado, em 2015. Esses países oferecem apoio financeiro e militar para garantir o ditador sírio no poder.

Um ponto em comum entre Rússia e Irã, além da manutenção do governo sírio, é o enfraquecimento da influência dos Estados Unidos no Oriente Médio. O governo de Bashar al-Assad, historicamente, possuía na Rússia um aliado econômico e, durante a guerra, essa parceria ampliou-se. A entrada dos russos na guerra ocorreu sob a alegação de combate ao terrorismo.

No caso do Irã, a situação é um pouco mais complexa. Há, conforme mencionado, o interesse desse país em diminuir a influência dos Estados Unidos no Oriente Médio. No entanto, há também em curso uma disputa indireta entre Irã e Arábia Saudita pela hegemonia da região. A manutenção no poder de Bashar, um xiita, é fundamental para os interesses do Irã, que é a maior nação xiita do Oriente Médio e luta contra o crescimento do sunismo apoiado pela Arábia Saudita.

Além disso, a manutenção do governo de Bashar é importante para o Irã, pois, assim, mantém-se aberto o caminho que é utilizado na entrega de armamentos para o Hezbollah, uma organização política e militar que atua no Líbano há muitos anos. O apoio do Irã ao governo sírio deu-se também com a cessão de tropas, armamentos e auxílio econômico.

No caso dos Estados Unidos, a estratégia é considerada pelos especialistas no assunto como hesitante. Sabe-se que, no começo da turbulência na Síria, os Estados Unidos apoiaram e armaram grupos rebeldes durante o governo de Barack Obama e, naturalmente, essas armas caíram nas mãos de grupos que se tornaram jihadistas.

A atuação dos EUA no contexto sírio ampliou-se quando o Estado Islâmico tornou-se uma ameaça iminente, não só para a Síria, mas para todo o mundo. O governo americano passou a apoiar abertamente os curdos, fornecendo-lhes armas na luta contra o Estado Islâmico. Esse apoio aos curdos rende aos Estados Unidos alguns atritos com a Turquia, conforme entenderemos a seguir. Os EUA são abertamente contra o governo de Bashar al-Assad e, inclusive, por duas vezes atacaram posições desse governo em represália aos ataques químicos realizados pelo ditador.

A Turquia foi outra nação que se envolveu na guerra civil síria à medida que o conflito se tornava mais amplo e complexo. Os turcos apoiam os grupos rebeldes que atuam na Síria, oferecendo-lhes armas e abrindo o caminho para a passagem de tropas jihadistas, as quais vêm de diferentes partes do mundo e cruzam o território turco para chegar à Síria. Além disso, existem evidências de que os turcos compraram petróleo do Estado Islâmico durante o auge dessa organização.

A atuação da Turquia em apoiar a derrubada de Bashar al-Assad, segundo os observadores internacionais, tem como objetivo aumentar seu poder no Oriente Médio a partir de uma reorientação interna da política síria. Essa ação turca na guerra concentra-se especificamente contra os curdos instalados no norte da Síria.

Os turcos iniciaram sua atuação contra os curdos a partir do momento em que esse grupo se estabeleceu como força no norte da Síria. A Turquia teme que a existência do Curdistão Sírio reforce a insatisfação interna da população curda que mora em terras turcas. Os curdos são, historicamente, uma minoria perseguida no território turco. Com a entrada da Turquia na guerra, o exército turco passou a atacar posições dominadas pelos curdos, como a cidade de Afrin, por exemplo, que se localiza próximo da fronteira da Síria com a Turquia e que estava nas mãos dos curdos até o começo de 2018.

A Arábia Saudita, outro país que está diretamente envolvido na guerra civil síria, é a maior potência do Oriente Médio e possui um governo autoritário sunita. Os sauditas preocupam-se com o crescimento da influência do Irã na região e apoiam financeira e militarmente os grupos rebeldes jihadistas. A intenção dos sauditas é derrubar Bashar do governo sírio e implantar um regime que se alinhe aos seus interesses.

Guerra da Síria no Enem

Os eventos e os desdobramentos da guerra civil síria ao longo de seus sete anos de duração podem ser cobrados de diferentes maneiras no Enem e é importante manter-se atualizado nas questões destacadas abaixo.

→ Armas químicas: o uso de armas químicas na guerra civil síria foi registrado em três ocasiões, todas elas atribuídas ao governo de Bashar al-Assad. Historicamente, o uso dessas armas foi proibido desde o final da Primeira Guerra Mundial. O acordo atual que proíbe o uso desse tipo de armas é de 1993. É importante ficar atento a esse assunto e sobre possíveis questões a respeito.

→ Relação EUA-Rússia: a guerra civil síria tem sido motivo de atrito entre americanos e russos, e essa polarização, a partir dos acontecimentos nesse conflito, tem feito alguns observadores internacionais falarem em uma “nova Guerra Fria”. É importante considerar que a relação entre russos e americanos já esteve tensa em outros momentos pós-Guerra Fria, como na guerra civil ucraniana.

→ Geopolítica do Oriente Médio: além de ser uma guerra que apresenta disputas políticas da própria Síria e questões religiosas, o conflito sírio envolve um complexo quadro geopolítico que coloca em jogo a hegemonia de diferentes atores no Oriente Médio. Exatamente por isso, é extremamente importante estar a par dos interesses de cada nação que se envolveu nesse conflito.

→ Enfraquecimento do Estado Islâmico: no período de 2014 e 2015, a atuação do Estado Islâmico na Síria esteve em grande evidência internacional, sobretudo porque esse grupo dominava grande parte do território sírio, possuía um patrimônio de milhões de dólares e coordenava ataques terroristas em diferentes partes do mundo. No entanto, de 2016 até recentemente, o EI enfraqueceu-se consideravelmente a partir dos esforços de diferentes atores. As razões desse enfraquecimento podem ser alvo de questionamento nos vestibulares.

→ Fracasso da Primavera Árabe: os protestos por mais democracia que se iniciaram na Tunísia em 2010 e espalharam-se pelo mundo árabe são motivos de análise pelos especialistas. Debate-se um suposto fracasso da Primavera Árabe, uma vez que muitas nações tiveram sua situação interna agravada pelas agitações desses protestos, como nos casos de Líbia, Egito, Síria e Iêmen. O único país que teve um saldo positivo foi a Tunísia, mas há muitas ressalvas sobre isso também.

*Crédito: Valentina Petrov e Shutterstock