Dez anos de Guerra Civil Síria

Em março de 2021, a Guerra Civil Síria completou dez anos de duração, e o saldo desse conflito é terrível. Estima-se que até 600 mil pessoas possam ter morrido nessa guerra.
Por Daniel Neves Silva

Dez anos de conflito causaram cerca de 600 mil mortes e a destruição de cidades inteiras.
Dez anos de conflito causaram cerca de 600 mil mortes e a destruição de cidades inteiras.
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A Guerra Civil Síria é um dos maiores conflitos em curso, e há dez anos vem causando inúmeras consequências para toda uma geração de pessoas, que tiveram suas vidas destruídas por ele. Além disso, a guerra foi responsável pela destruição de boa parte da infraestrutura do país, o que prejudicará seu desenvolvimento nas próximas décadas.

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Tópicos deste artigo

Origens da guerra

A Guerra Civil Síria se iniciou em março de 2011 e é entendida como um desdobramento da Primavera Árabe, a série de protestos populares que se espalhou por nações do norte da África e do Oriente Médio, exigindo governos menos corruptos, mais democracia e melhoria na qualidade de vida da população.

No caso da Síria, os protestos se iniciaram em março de 2011, na cidade de Deraa, ao sul do país. Eram contra o presidente Bashar al-Assad, que governa a Síria desde 2000, quando sucedeu seu pai, Hafez al-Assad, no poder. Eles se direcionavam contra o autoritarismo existente no país e pelo desejo de um futuro mais democrático.

Esses protestos passaram a ser reprimidos violentamente pelas forças enviadas pelo governo de Bashar al-Assad. O começo de tudo se deu quando estudantes com menos de 15 anos começaram a fazer pichações contra o governo de al-Assad em escolas de Deraa. Os estudantes foram presos pela polícia secreta síria, torturados e mortos no interrogatório.

Os protestos que se seguiram a isso foram recebendo resposta cada vez mais violenta das tropas do governo. Quanto mais eles cresciam, mais violenta se tornava a repressão, e chegou ao ponto que as pessoas começaram a se armar para se defender. Esses grupos armados se transformaram em grupos rebeldes, e o confronto desses rebeldes com o governo resultou na guerra civil.

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A insatisfação popular com o governo de Bashar al-Assad e a resposta violenta deste na repressão dela levaram ao início da guerra civil, em 2011.[1]
A insatisfação popular com o governo de Bashar al-Assad e a resposta violenta deste na repressão dela levaram ao início da guerra civil, em 2011.[1]

Desdobramentos da guerra

Ao longo de dez anos de guerra civil na Síria, muita coisa aconteceu, e os maiores prejudicados, naturalmente, foram a população do país, que viu suas casas sendo destruídas e que se viu obrigada, em muitos casos, a fugir para sobreviver. Ainda hoje, milhões de sírios não retornaram ao seu país por conta do conflito.

Como vimos, o início do conflito se deu por motivos políticos e pelo desejo popular de ter um governo mais democrático. À medida que o conflito foi crescendo, as razões políticas foram dando espaço para questões religiosas, uma vez que o presidente Bashar al-Assad passou a representar os interesses da minoria xiita no país, enquanto os grupos opositores foram se convertendo em movimentos fundamentalistas de sunitas.

Entre os grupos fundamentalistas que atuaram na Guerra Civil Síria, os mais expressivos são o Estado Islâmico, que esteve forte entre 2015 e 2017 no conflito, causando muita destruição e aterrorizando certas minorias étnicas do país, que sofriam com perseguição; e o de Hayat Tahrir al Sham, ligado a Al-Qaeda.

Nenhum dos dois grupos fundamentalistas deixou de existir, embora sua força tenha decaído consideravelmente nos últimos anos. Durante a guerra, houve a atuação de grupos de rebeldes moderados, isto é, que se apresentavam como oposição ao governo de Bashar al-Assad, mas que não se aliavam com ideais fundamentalistas.

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Por fim, a guerra travada na Síria tornou-se palco para disputas de interesses de países. O futuro da Síria e a forma como a guerra se encaminhava sofreram interferência, direta ou indiretamente, dos seguintes países: Estados Unidos, Rússia, Irã, Israel, Arábia Saudita e Turquia.

O envolvimento russo no conflito foi crucial para garantir a sustentação do governo de Al-Assad, pois, em 2015, a situação dele na guerra era delicadíssima, sendo pressionado pelo Estado Islâmico e outros grupos rebeldes, em diferentes partes do território sírio. O governo russo deu início a uma campanha de bombardeios que foi fundamental para enfraquecer os adversários de Al-Assad.

O Irã também teve forte atuação para apoiar Bashar al-Assad e enviou para a Síria dinheiro, armas e soldados, muitos dos quais ligados ao Hezbollah. Outro grupo de atuação muito importante no conflito foram os curdos, minoria étnica que reside no norte da Síria. Os sírios formaram milícias armadas para garantir sua defesa do avanço do Estado Islâmico.

Os territórios ocupados pelos curdos são conhecidos como Federação Democrática do Norte da Síria, ou Rojava. O envolvimento curdo no conflito mobilizou outro país a entrar na guerra: a Turquia. Os turcos entraram com a alegação de que os curdos eram aliados de um grupo terrorista curdo que atua no território turco.

Entretanto, acredita-se que o principal motivo que levou a Turquia a atacar os curdos foi a recusa destes em se aliar àqueles em uma ofensiva contra o governo de Bashar al-Assad. O objetivo dos turcos no conflito, acredita-se, é o de fortalecer sua posição como um ator de expressão no Oriente Médio e talvez garantir uma expansão territorial por meio da ocupação de territórios sírios.

Atualmente, mais da metade do território sírio está nas mãos do governo de Bashar al-Assad, e o restante está fragmentado entre grupos rebeldes moderados, grupos fundamentalistas, turcos e curdos. Entretanto, a posição de Al-Assad é bem mais estável e segura do que a de anos atrás.

Consequências do conflito

Dez anos de conflito são tempo suficiente para destruir por completo qualquer país, e não é diferente no contexto da Síria. A guerra civil destruiu a infraestrutura do país, o que atrapalhará seu desenvolvimento, destruiu a rede nacional de hospitais e colocou milhões de pessoas em situação de risco.

Ao longo desses dez anos de duração, a guerra civil na Síria pode ter causado a morte de 600 mil pessoas, segundo dados do Observatório Sírio para os Direitos Humanos|1|. Esses dados incluem pessoas que estão oficialmente mortas e pessoas que estão desaparecidas e, provavelmente, faleceram em algum momento do conflito. Outras duas milhões de pessoas foram feridas durante o conflito, e muitas adquiriram deficiências físicas permanentes.

Além da grande quantidade de mortos, a guerra afetou a vida de pessoas que se viram em situação de risco e precisaram abandonar suas casas para sobreviver. Com isso, cerca de seis milhões de pessoas optaram por fugir da Síria e se estabeleceram como refugiadas em países vizinhos ou então migraram para locais como a Europa e a América do Norte.

Só a Turquia recebeu cerca de 3,5 milhões dos quase seis milhões de sírios que se refugiaram fora do país. Essa fuga levou também ao que ficou conhecido como crise de refugiados, uma vez que o fluxo de pessoas tentando entrar na Europa era muito grande. Muitos países, como a Hungria, decidiram endurecer sua política de imigração.

Milhares de sírios ainda vivem em campos de refugiados e com condições básicas de vida.[2]
Milhares de sírios ainda vivem em campos de refugiados e com condições básicas de vida.[2]

Milhares de pessoas morreram na travessia para chegar à Europa, e outras milhões vivem em condições degradantes em campos de refugiados. Além disso, há cerca de sete milhões de sírios desabrigados dentro de seu próprio país. Existem também sírios que tentaram sobreviver no exterior, mas as dificuldades e o preconceito que sofriam fizeram com que muitos decidissem retornar para o seu país. Ao todo, mais de 50% da população síria abandonou sua casa por causa da guerra civil.

A destruição material do país prejudicou a economia e levou a maioria da população a viver em situação de pobreza. Muitas pessoas têm dificuldade de acesso à comida, por exemplo, e atendimentos básicos, como o de saúde, foram severamente danificados em todo país, apesar dos esforços de grupos sírios e estrangeiros em dar atendimento médico à população.

Cidades como Aleppo e Idlib foram severamente danificadas pelos bombardeios, e suas populações são obrigadas a sobreviver em meio a escombros e prédios destruídos. O patrimônio histórico cultural do país foi danificado de maneira irreversível em algumas localidades, sobretudo por ação do Estado Islâmico, que destruiu sítios históricos do país, como os ficavam em Palmira.

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Estimativas para o fim da guerra

Depois de dez anos de conflito, muitos se perguntam se a guerra civil na Síria está próxima de acabar, e a visão dos analistas internacionais é de incerteza acerca do futuro do país. Não existe demonstração dos grupos de oposição, de Bashar al-Assad ou das nações estrangeiras de encerrar seus esforços pelo fim da guerra. Além disso, diversas tratativas por um cessar-fogo fracassaram.

Com isso, o cenário de incerteza reforça outro nada otimista para o futuro da Síria: a guerra continuará ceifando vidas e destruindo o futuro de novas gerações. A expectativa é que a Síria permaneça como um país instável, assim como a Somália ou o Iraque, que passaram por longos anos de guerras civis e pela atuação de grupos fundamentalistas e ingerência de potências estrangeiras.

Notas

|1| On International Human Rights Day: Million of Syrians robbed of “rights” and 593 thousand killed in a decade. Para acessar, clique aqui [em inglês].

Créditos das imagens:

[1] Valentina Petrov e Shutterstock

[2] Tolga Sezgin e Shutterstock