A volta do Talibã ao poder no Afeganistão

O Talibã é um grupo fundamentalista que reassumiu o controle do Afeganistão depois do anúncio da saída das tropas norte-americanas do país.
Por Daniel Neves Silva

O Talibã é um grupo fundamentalista que surgiu no Afeganistão, em 1994.[1]
O Talibã é um grupo fundamentalista que surgiu no Afeganistão, em 1994.[1]
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O Talibã retomou o poder do Afeganistão 20 anos depois que eles foram derrubados pelas tropas norte-americanas que invadiram o país em 2021. A retomada do poder pelo Talibã se iniciou com o anúncio do governo norte-americano de que as tropas dos Estados Unidos abandonariam o país.

A comunidade internacional observa os desdobramentos dos acontecimentos no Afeganistão com apreensão e a expectativa é que a vida no país se transforme radicalmente. Minorias étnicas, religiosas e mulheres serão os grupos que, provavelmente, mais sofrerão com o Talibã. Países como Rússia e China têm interesse em negociar diplomaticamente com os fundamentalistas.

Acesse também: O que é intolerância religiosa?

Tópicos deste artigo

Videoaula sobre o Talibã e a retomada do poder no Afeganistão

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Retorno do Talibã ao poder no Afeganistão

O dia 15 de agosto de 2021 ficou marcado como o dia em que o Talibã retomou o controle sobre Cabul, capital do Afeganistão. A conquista da cidade foi o ápice da campanha militar organizada pelo Talibã em resposta ao anúncio de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, de retirar suas tropas do Afeganistão, encerrando 20 anos de ocupação.

O Talibã controlava algumas províncias afegãs, mas, em agosto, a campanha militar do grupo se intensificou, fazendo com que, em poucos dias, quase todas as províncias do país fossem conquistadas. Por fim, a conquista de Cabul se deu sem nenhum tipo de resistência, pois as tropas do exército afegão que defendiam a cidade desertaram.

Esse acontecimento resultou na retomada do controle do Afeganistão pelo Talibã depois de 20 anos. O rápido sucesso do Talibã surpreendeu as autoridades norte-americanas, que não esperavam a rapidez da expansão militar dos fundamentalistas. Diversos analistas internacionais tentaram explicar o sucesso da expansão do Talibã, atribuindo o feito a fatores como:

  • a retirada das tropas estrangeiras deixou o exército afegão sem apoio aéreo;

  • o exército afegão estava desmoralizado pela retirada das tropas norte-americanas;

  • o governo de Cabul era fraco e não motivava as tropas a lutarem por ele;

  • corrupção no interior do exército afegão;

  • forças do Talibã foram subestimadas.

Muitos analistas apontaram que a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão poderia resultar em um retorno do Talibã ao poder afegão e foi exatamente isso que aconteceu. Com a conquista de Cabul, as mudanças já começaram a acontecer no Afeganistão. O então presidente do país, Ashraf Ghani, fugiu do país e exilou-se nos Emirados Árabes Unidos.

Presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani.
O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, fugiu do país pouco antes das tropas do Talibã conquistarem Cabul.[2]

O retorno do Talibã ao poder do Afeganistão criou temores na comunidade internacional acerca dos Direitos Humanos no país, sobretudo dos direitos de minorias étnicas e religiosas, bem como das mulheres. Um grande temor também se deu em função das pessoas que passaram os últimos anos cooperando com as forças estrangeiras que ocuparam o país.

Esses temores se dão em função do histórico do Talibã de desrespeito aos Direitos Humanos e de perseguição às minorias e mulheres. Ao retomar o poder, o porta-voz do Talibã disse que o grupo não reivindicaria vingança contra aqueles que trabalharam juntamente aos estrangeiros e anunciou que os jornalistas poderiam trabalhar livremente e que mulheres poderiam continuar estudando e trabalhando.

O anúncio, por sua vez, é entendido apenas como discurso para iludir a comunidade internacional, pois relatos vindos do Afeganistão dão conta de que a ação do Talibã tem sido bem diferente daquilo do que foi prometido. Além disso, o Talibã já anunciou que o nome do país será Emirado Islâmico do Afeganistão e também que o país não será uma democracia.

Outros indícios de que o Talibã governará o Afeganistão de maneira violenta são:

  • minorias xiitas já vêm sendo perseguidas e mortas por membros do Talibã;

  • mulheres já têm sido proibidas de trabalhar em todo o país;

  • bandeiras do Afeganistão têm sido recolhidas e substituídas por bandeiras do Talibã;

  • protestos pacíficos foram reprimidos com violência;

  • membros do Talibã têm ido de casa em casa para localizar afegãos que trabalharam com os norte-americanos nos últimos anos;

  • jornalistas têm tido cada vez mais dificuldade de realizar o seu trabalho.

A chegada do Talibã ao poder e as lembranças dos dias vividos entre 1996 e 2001, quando os fundamentalistas governaram o país, motivaram milhares de pessoas a fugirem do país. O aeroporto de Cabul tornou-se local de cenas de desespero, pois milhares de pessoas disputavam as poucas vagas nos aviões que voariam para fora do país.

As saídas por terra do país estão todas sob o controle do Afeganistão, sendo o aeroporto a única saída “oficial”. Os Estados Unidos deixaram algumas poucas tropas instaladas no país, que têm ajudado no processo de retirada de pessoas que estão em situação de risco com o retorno do Talibã.

Entre 14 e 23 de agosto de 2021, os norte-americanos já retiraram cerca de 37 mil pessoas do Afeganistão. O Talibã já anunciou que o prazo final para que as tropas ocidentais saiam do país é o dia 31 de agosto. Enquanto isso, milhares de pessoas ainda têm esperanças de deixar o país pelo aeroporto da capital.

Por fim, os acontecimentos no Talibã refletem-se diretamente em questões geopolíticas, pois o Afeganistão é considerado um país em posição estratégica, pois está próximo de potências importantes, como China, Rússia, Irã, Arábia Saudita, Índia e Paquistão. A União Europeia anunciou que não reconhece o governo do Talibã, mas países como Rússia e China demonstraram ter interesse em manter relações diplomáticas com o governo formado pelo grupo fundamentalista.

Acesse também: Crise de refugiados — o dramático caso das pessoas que precisam fugir do próprio país

Contexto histórico do Afeganistão

Para entendermos melhor esse cenário que vive hoje o Afeganistão, é preciso que tenhamos algum conhecimento da história desse país. Sendo assim, é preciso entender o que é o Talibã, como ele chegou ao poder e como foi derrubado. Vejamos então um pouco da história desse país asiático.

 Vista de Cabul, capital do Afeganistão
O Talibã ocupou Cabul, capital do Afeganistão, em agosto de 2021.[3]
  • O que é o Talibã?

O Talibã é um grupo fundamentalista islâmico (de orientação sunita) que possui uma visão extremista do islamismo e procura impor sua interpretação radical da Sharia, a lei islâmica. Entre as visões do Talibã, estão, por exemplo, a recusa em aceitar que mulheres trabalhem (com exceção para a área de saúde), estudem e caminhem nas ruas sem a companhia de um parente homem.

O Talibã surgiu no Afeganistão, em 1994, durante a Guerra Civil Afegã. Nesse conflito, os mujahidin (rebeldes que lutaram contra os soviéticos na Guerra do Afeganistão de 1979) disputavam o poder do Afeganistão entre si. Havia mujahidin com posições pragmáticas e progressistas, mas também havia os conservadores e fundamentalistas, como o Talibã.

O Talibã conseguiu conquistar grande parte do território do Afeganistão, com exceção da parte norte do país, controlada pela resistência da Aliança do Norte. O Talibã esteve no poderio do Afeganistão de 1996 a 2001 e, nesse período, governou o país asiático promovendo inúmeras violações dos Direitos Humanos, como o massacre de opositores e a perseguição aos direitos das mulheres.

  • Guerra do Afeganistão de 2001

Em 2001, uma força internacional da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos, invadiu o Afeganistão com o objetivo de destituir o Talibã do poder, destruir a Al-Qaeda e aprisionar Osama bin Laden. Essa operação foi resultado dos Atentados de 11 de setembro e ocasionou a derrubada do Talibã algumas semanas após a invasão do Afeganistão.

Em 11 de setembro de 2001, terroristas da Al-Qaeda sequestraram quatro aviões comerciais nos Estados Unidos, e três deles atingiram seus alvos: o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington. Quase três mil pessoas morreram nesses atentados, que chocaram os Estados Unidos e o mundo.

A autoria do atentado foi assumida pela Al-Qaeda, grupo fundamentalista que era liderado pelo saudita Osama bin Laden. Os membros da Al-Qaeda e Osama bin Laden se refugiavam em território afegão com a autorização do Talibã. O governo norte-americano exigiu que o Talibã expulsasse a Al-Qaeda de seu território e entregasse bin Laden, mas o Talibã se recusou. Com isso, os Estados Unidos conduziram o processo de invasão do Afeganistão e lá permaneceram por 20 anos.

Acesse também: Radicalismo do Estado Islâmico — outro grupo fundamentalista

Como a volta do Talibã poderia ser aplicada no Enem?

Os acontecimentos no Afeganistão colocam os holofotes da imprensa internacional novamente sobre o Oriente Médio e sobre questões relacionadas com o fundamentalismo islâmico. É importante estar atualizado com relação a esse contexto e toda história por trás dele.

Fique atento aos seguintes temas:

  • Guerra do Afeganistão de 1979

  • Radicalismo islâmico

  • Atentados de 11 de setembro e seus desdobramentos

  • Invasão do Afeganistão em 2001

  • O fracasso ocidental nas tentativas de formar um governo democrático no Afeganistão

  • As consequências do imperialismo no Oriente Médio

  • A Geopolítica do Oriente Médio e os diferentes interesses internacionais no Afeganistão.

Créditos das imagens

[1] john smith 2021 e Shutterstock

[2] Gints Ivuskans e Shutterstock

[3] Jono Photography e Shutterstock

 

Por Daniel Neves Silva
Professor de História