Confira o depoimento completo de uma brasileira no colegial dos Estados Unidos

Estudante de 18 anos está nos EUA há três anos e se prepara para estudar Medicina no país

Flávia (ao centro) com as colegas norte-americanas

Flávia Cavicchioli tem 18 anos e atualmente está matriculada em um associate degree de Biologia na Hagerstown Community College para cursar os primeiros dois anos de graduação e se preparar para estudar medicina nos Estados Unidos

Aos 15 anos, ela decidiu fazer o programa de High School, que permite cursar de um semestre a mais de um ano do ensino médio em outro país. No depoimento completinho a seguir, Flávia conta como foi a sua experiência de estudar parte do colegial em uma grande escola de uma região rural dos Estados Unidos, desde as principais dificuldades, como escolher a host Family e fazer amigos americanos, até as partes mais memoráveis, como fazer parte do time de lacrosse da escola.

A escolha do intercâmbio

A decisão de ir para fora do país foi quando eu tinha 15 anos e eu queria viver uma coisa diferente, porque eu sentia que o ensino médio do Brasil era muito preso. No Brasil, a gente não faz nada que não seja estudar e estudar. É só isso que a gente faz se você quer ter um futuro melhor. E eu não queria só isso. Eu queria ter uma experiência que eu realmente me lembraria. Por exemplo, você sempre assiste a filmes de ensino médio americano e eles têm esportes, clubes, musical e um monte de outras coisas. Eles têm até armário! 

Eu pensei: “Eu quero tentar isso, quero parar de ficar presa no meu quarto e na sala de aula estudando”. Então eu falei para os meus pais que eu queria ir para fora. No começo, minha mãe ficou meio receosa, mas depois eles deixaram. E eu não quis ficar por um ano. Eu quis ficar só por seis meses porque eu queria me formar com os meus amigos daqui.

A região

Quando eu tomei essa decisão, eu tinha 15 anos, mas quando eu fui para os Estados Unidos, eu tinha 16. Eu fui para West Virginia (Virgínia Ocidental), um estado do lado de Maryland, onde está localizada a capital dos EUA, Washington, D. C. 

West Virginia é um estado muito country, que é como eles chamam. Sabe quando você vê aquelas músicas country? E não é Taylor Swift, não. É tipo raiz mesmo! Todo mundo tem uma caminhonete aqui, que eles chamam de truck. É um estado bem “caipirão”. E as pessoas aqui são muito gente boa.

A escolha da host family

Flávia está nos EUA há três anos

Eu consegui uma homestay uns dois meses antes de vir para cá, só que acabou não dando certo. Eles não queriam mais e eu fiquei muito triste com isso. Depois, eu tive três famílias diferentes, eu nunca tinha sofrido esse tipo de rejeição antes. Para mim foi muito triste. Eles acharam outra família para mim e uns três dias antes [de eu viajar], eles falaram que não queriam mais. Ou seja, eu estava a três dias de entrar no avião para vir para cá e eu não tinha família. Isso causou um certo desespero em mim e em minha família. 

Você tem sempre uma conselheira da agência de intercâmbio no Brasil e nos EUA. A dos EUA falou: “Vem para cá e você vai ficar na minha casa até a gente conseguir uma família para você”. Eu falei ok, mas estava meio triste com isso porque eu via minhas amigas com família já, que também foram, e eu fiquei me perguntando “será que eu não sou boa o suficiente?”. Fiquei com esse medo e esse sentimento de rejeição. No dia que eu cheguei nos EUA, do dia para a noite, a minha agente encontrou uma família e eu já estava no avião, eu não sabia deles. Eu cheguei no aeroporto e eles estavam me esperando com cartaz para mim. Eu fiquei: “Quem são vocês?”. Eu cheguei no aeroporto, liguei o wi-fi e tinha mensagem da agente para mim, dizendo “Achei uma família, eles vão te buscar”. Do dia para a noite, eles foram lá, compraram uma cama pra mim, fizeram tudo. E aí eu fui pra casa deles. 

A relação com a host family

Eu e meus pais somos muito religiosos, então a gente fala que estava no plano de Deus, porque a família que me acolheu não poderia ser melhor. Eles me levaram para tudo quanto é lugar; compraram livros de receita e cozinhavam todas as noites para eu não ter que ficar comendo comida americana, que não faz bem; eles me levavam para onde eu quisesse, eles não tinham problema se eu falasse “tenho que ir no treino de esporte agora”, “eu tenho que fazer isso”, “eu vou na casa de sei-lá-quem”, eles me levavam e não se importavam. 

E eles eram muito amores comigo, me acolheram super bem. Eu lembro que no dia que eu cheguei, fui na casa da minha conselheira aqui nos EUA, porque eles tinham que assinar os papéis, eles nem tinham assinados os documentos ainda. Aí eu lembro que estava na casa dela e quis chorar, porque eu pensei “Nossa, fui rejeitada por tanta gente, não pertenço em lugar nenhum”. Mas depois de alguns dias, eu percebi que estava no plano, no destino mesmo, porque não poderia ter tido uma família melhor.

Então se alguma coisa acontecer com qualquer outra pessoa intercambista, você tem uma grande chance de dar tudo certo. Eu conheço um amigo que também não deu certo com a primeira família, ele se mudou, e a segunda família foi maravilhosa. Você tem todo esse apoio e suporte da sua agência, que são muito bons com isso.

A escola

A escola que eu estudei chama Spring Mills High School, fica na cidade de Martinsburg. As escolas por lá são distribuídas por distritos, então, por exemplo, seu distrito está naquela escola, os ônibus vão passar naquele distrito e vão para aquela escola. Você não pode escolher para onde você vai, por isso que muita gente se muda bastante aqui, porque eles querem achar o melhor distrito escolar, ou seja, o distrito que tenha a melhor escola.

Mas eu não estava nem aí, para mim não mudou nada. A escola era tão grande, mas tão grande que, quando meus pais foram me buscar, eles ficaram impressionados. A escola é absurdamente gigante! Ela parece até uma faculdade e isso é só o prédio da escola. Além disso, ela também tinha um prédio de esportes, que é separado do principal e tem uma academia muito grande, uma quadra de futebol americano, duas quadras de tênis, dois campos de futebol, dois ginásios de basquete, um campo de basebol, uma área livre e mais algumas coisas que já até estou me esquecendo. É muito grande mesmo! 

A primeira impressão

Quando eu cheguei lá, eu fiquei assustada porque, quando a minha amiga foi, a escola e a cidade dela eram pequenas; e a minha cidade também não era grande, então eu estava esperando uma escola menor. Quando eu fui para a escola, tinha tanta gente que eu fiquei assustada. E por ser uma escola muito grande e eu entrei no meio do semestre, as pessoas meio que não ligaram para mim. Isso me deixou meio “Ai, meu Deus, não vou fazer amigos nunca”. E eu não sabia nada, eu não tinha inglês suficiente para me comunicar com as pessoas e eu também tinha vergonha porque é uma língua diferente, em um lugar diferente, você não está confortável. É muito fora da sua zona de conforto.

Eu realmente pensei “o que eu fui fazer da minha vida”! Mas depois você vai vendo que as coisas vão se encaixando. Você vai classe por classe, e em algumas eu não tinha amigos, mas na maioria eu tinha. Porque cada aula é em uma classe diferente, você tem que pegar suas coisas, guardá-las, ir para outro lugar, pegar suas coisas, guardá-las... Tem que fazer um monte de coisa. 

Atividades extracurriculares

A minha conselheira falou para mim: “Faz um esporte que é bom para você fazer amigos”, e me perguntou o que eu gostaria de fazer. Eu disse que não sabia porque não gostava de esportes, gostava de dança, inclusive tinha uma aula de dança que era muito legal. Algumas escolas oferecem aulas de dança e se você está procurando alguma coisa diferente, eu recomendo, porque é muito legal.

A minha escola também tinha aula de tudo: de arte, de pintura, de tela, de música, de teatro, de show choir (que não é música, nem teatro, é diferente, tipo High School Musical). Eles têm banda, banda de jazz, aula de música, de instrumentos, tudo. Era uma escola completíssima. 

As disciplinas

No ensino médio de lá, você escolhe as suas classes, mais ou menos. Se você está no primeiro ano, você é obrigado a ter aula de algumas matérias, por exemplo, biologia. No segundo ano, você é obrigado a ter outras aulas. Eu tive que fazer aula apenas de uma coisa que eles chamam de Civics, em que te ensinam a fazer imposto, a votar, sobre partidos, uma coisa que eu acho que o Brasil realmente deveria ter, e isso é obrigatório para as pessoas que vão se formar nos EUA.

No caso, eu estava no último ano, porque eu era uma senior. Os graus são freshman, sophomore, junior e senior. E no último ano, quando você vai se formar, você é obrigado a ter essa aula, que foi uma chatice para mim, e era difícil porque eu não sabia nenhuma lei americana. Mas as outras matérias, eu mesma escolhi. Por exemplo, a dança! Eu escolhi matemática, mas você pode fazer álgebra, estatísticas, qualquer coisa que você quiser. Você que escolhe junto com o seu conselheiro o que for melhor para você.

Os esportes

Flávia (ao centro) praticando esportes em escola norte-americana

Por fim, eu escolhi um esporte, a corrida. Só que quando fui fazer, o treino deles era uma coisa extremamente pesada. E percebi que não era para mim. Aí na minha aula de dança eu conheci uma menina e ela perguntou porque eu não tentava lacrosse. Eu não sabia o que era, mas resolvi tentar e pelo menos já tinha uma amiga no time. Saí da corrida e fui para o lacrosse, que eu acabei me identificando demais, é o melhor esporte que eu já joguei na minha vida. Nunca tinha ouvido falar, é dificílimo, eu era péssima, mas é muito legal!

E eles fazem muita coisa, tem muitos jogos, você vai para cidades diferentes e você não paga nada. Por exemplo, teve uma vez que a gente teve que fazer uma viagem para jogar e eu não paguei absolutamente nada, nem hotel, nem transporte e nem comida, é tudo pago pela escola ou pelos patrocinadores. 

Você também ganha o uniforme. Em todos os esportes, a única coisa que você paga é caso você queira comprar roupas específicas do time. Por exemplo, cada semestre, eles lançam uma linha diferente para aquele time. Eu comprei a jaqueta do meu time, que tinha meu número e o meu sobrenome atrás, e o símbolo [do patrocinador] na frente. Eu acho linda aquela jaqueta e eu queria ter uma lembrança disso, então comprei. Mas não é obrigatório, porque o seu uniforme que você usa para jogar não é pago.

Os colegas de classe

E o lacrosse me deu as minhas melhores amigas! Eu fiquei de janeiro até junho, nos primeiros dois meses, eu não saía de casa com nenhum amigo porque eu não tinha nenhum. Então se você está esperando que você vai chegar aos Estados Unidos e no primeiro dia você vai fazer várias amizades e vocês vão ser melhores amigos, provavelmente não vai ser assim. Conheço pessoas que tiveram essa experiência, mas uma em dez. É muito difícil mesmo. Não é para chegar no país achando que vai ficar tudo de boa porque não vai, você vai passar por essa coisa de ficar sozinho, de estar em um lugar novo, diferente, e não conhecer ninguém. Você vai passar por isso, sim, todo mundo passa. Mas você supera com o tempo, porque as coisas vão se encaixando e tudo vai ficando de boa. 

Na escola, a impressão que eu tive dos alunos é que eles não estavam nem aí, porque na escola que a minha amiga ficou as pessoas ficavam “Nossa, você do Brasil!”, mas era uma escola minúscula. A minha era enorme, então é tanta gente que você nem repara em gente nova. Mas ninguém nunca foi mal-educado comigo ou me provocou por eu ser de fora. A única coisa que acontecia era que às vezes, quando eu já tinha amigos, eles riam de alguma coisa que eu falava errado. Mas você vai passar por isso e é engraçado, você ri junto, porque eles não estão rindo de você e sim com você.

O ensino médio dos Estados Unidos

O ensino médio nos EUA é muito mais fraco do que o ensino médio particular no Brasil. Mas no colegial deles você faz memórias de verdade! No Brasil, você faz amigos e um monte de coisa, mas a maioria acontece fora da escola. Nos EUA, eles fazem tudo dentro da escola. Por exemplo: rolê de sexta à noite é ir no jogo da escola e depois comer em algum lugar. E a maioria dos americanos é muito envolvida com a escola porque ela oferece muita coisa para o aluno. 

E se você fizer o mínimo, você já tem tudo o que precisa para entrar na faculdade. Porque para entrar em uma faculdade nos EUA, se você for americano é muito fácil. O governo paga para você tiver notas boas. E é proveitoso também porque eu me envolvi com muita coisa na escola e eu achei isso muito legal. Aqui eles têm essa coisa que eles oferecem mais do que só o ensino, que em si só não é muito bom, mas cria, de alguma forma, uma memória para você. Faz com que as coisas não sejam tão sistemáticas e chatas.