Daniel Ortega e a crise na Nicarágua

Em abril de 2018, iniciou-se uma crise política na Nicarágua que levou o país a uma espiral de violência praticada pelas forças que defendem o presidente Daniel Ortega.
Por Daniel Neves Silva

Foto da manifestação organizada pela população nicaraguense contra o governo de Daniel Ortega, em maio de 2018*
Foto da manifestação organizada pela população nicaraguense contra o governo de Daniel Ortega, em maio de 2018*
Crédito da Imagem: shutterstok
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Desde o primeiro semestre, a Nicarágua, um país da América Central, está em evidência no noticiário internacional por conta da crise política que afeta esse país. A crise na Nicarágua é resultado da insatisfação da população local com o governo de Daniel Ortega, presidente do país desde 2007 acusado por seus opositores de corrupção, má gestão e uso de violência contra a população.

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Qual a origem da crise na Nicarágua?

A crise que atinge a Nicarágua atualmente iniciou-se em abril de 2018, quando o presidente do Instituto Nicaraguense de Seguridade Social, Roberto López, anunciou que seriam realizadas reformas no sistema previdenciário do país. A decisão do governo de Ortega determinava um aumento de 5% na cobrança de imposto a ser recolhido, tanto dos empregadores quanto dos trabalhadores, para a seguridade na Nicarágua.

Essa decisão do governo Ortega foi motivada pelas pressões realizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para que o governo nicaraguense equilibrasse as finanças do país. A decisão do governo em reformar a previdência nacional gerou grande insatisfação na sociedade nicaraguense. Assim, no dia 18 de abril de 2018, protestos foram organizados pela população contra essa medida.

Esses protestos da população nicaraguense foram reprimidos com bastante truculência pelas forças policiais, o que revoltou a população e tornou os protestos mais violentos. Outra consequência direta da violência policial foi a convocação de novos protestos populares (estava pela população). Segundo o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos, somente nessa jornada de protestos em abril, o número de mortos foi de, pelo menos, 25 pessoas. Houve também dezenas de feridos e centenas de presos.

O governo de Daniel Ortega foi acusado de autorizar a violenta repressão dos policiais e de armar grupos paramilitares (grupos militares armados pelo governo) que atuam no país, de forma violenta, intimidando manifestantes. Esses grupos paramilitares também são acusados de assassinar, indiscriminadamente, pessoas, independente de terem participado ou não dos protestos contra o governo de Daniel Ortega.

A ação desses grupos paramilitares chamou a atenção do Brasil, pois uma brasileira que estudava medicina há seis anos na Nicarágua foi assassinada por um desses grupos paramilitares. A estudante, de 31 anos, chamava-se Raynéia Gabrielle Lima e foi alvejada enquanto dirigia de volta para sua casa.

Investigações feitas pela imprensa nicaraguense têm afirmado que a morte da estudante brasileira foi de responsabilidade de grupos paramilitares que atuam na defesa do governo de Ortega e que estão diretamente ligados a Chico López, tesoureiro do partido Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), do qual Daniel Ortega faz parte.

A violência coordenada pelas forças de defesa de Daniel Ortega contra a população nicaraguense, até este momento, foi responsável por centenas de mortos e milhares de feridos. A Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos afirma que são 351 mortos (dos quais 306 são civis), mais de 2 mil feridos e 261 desaparecidos. A crise política na Nicarágua, segundo analistas internacionais, parece ser tão intensa quanto a venezuelana, porém, os bons rendimentos econômicos da Nicarágua nos últimos anos (crescimento médio de 4% nos dois últimos anos) têm poupado Ortega de maiores críticas.

O que exigem os manifestantes?

A princípio, os manifestantes exigiam a revogação da reforma no sistema previdenciário do país. Por conta da violência dos protestos e temendo que a situação fugisse do controle, o governo de Ortega recuou e, no dia 22 de abril (4 dias depois do início dos protestos), anunciou o abandono da proposta de reforma na previdência da Nicarágua.

Os protestos, no entanto, prosseguiram, e a situação segue complicada no país, mesmo após vários meses. O que, então, tem motivado a população nicaraguense manter os protestos contra o governo de Ortega? A resposta dos analistas internacionais para essa questão está relacionada à decepção da população com o atual governo de Daniel Ortega, antigo líder revolucionário do país.

Daniel Ortega tornou-se presidente da Nicarágua, pela primeira vez, na década de 1980, após ser um dos grandes nomes da Revolução Sandinista, e tinha um discurso bastante progressista de defesa da igualdade social. Ao retornar à presidência após vencer as eleições presidenciais de 2006, Daniel Ortega assumiu uma postura pragmática não compatível com seu discurso das décadas de 1970 e 1980.

Essa mudança de postura fez com que muitos dos antigos sandinistas rompessem com Daniel Ortega e com seu governo. Esse processo de desgaste iniciou-se no primeiro ano do governo de Ortega, em 2007. Assim, a atual crise da Nicarágua é resultado de um desgaste político que se acumula há mais de dez anos.

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As críticas ao governo de Ortega são muitas, e seus opositores acusam-no de corrupção e de enriquecimento ilícito, assim como de nepotismo, pois sua esposa, Rosario Murillo, é a atual vice-presidente do país, e seus filhos assumem cargos governamentais importantes. Ortega também é acusado de abandonar ideais que defendeu em outros momentos e de aliar-se com o empresariado do país, que, com o estourar da crise, rompeu com Ortega. As tentativas de implantar medidas de austeridade (arrocho na economia por meio do aumento de impostos) foram o estopim para população.

Neste momento, os manifestantes nicaraguenses exigem melhorias na democracia do país, renúncia de Daniel Ortega da presidência, convocação de eleições presidenciais emergenciais para 2019 e, por fim, investigação e punição dos responsáveis pelas recentes mortes relacionadas à ação dos grupos paramilitares.


Quem é Daniel Ortega?

Daniel Ortega em foto tirada nos EUA durante seu mandato do período 1986-1990**
Daniel Ortega em foto tirada nos EUA durante seu mandato do período 1986-1990**

Daniel Ortega é o atual presidente da Nicarágua e está em seu terceiro mandato, vencido na eleição de 2016. Daniel Ortega foi escolhido com mais de 70% dos votos, mas sua vitória foi bastante contestada pela oposição, que alega que o presidente do país manipulou os resultados.

A história de Daniel Ortega iniciou-se na década de 1960, quando ele aderiu à guerrilha sandinista, que lutava no país contra a ditadura dos Somoza – família que governava Nicarágua desde a década de 1930. Os sandinistas era um grupo guerrilheiro com ideais ligados à esquerda. Eles surgiram na Nicarágua a partir da luta coordenada por Augusto César Sandino, guerrilheiro nacionalista, morto em 1934, que lutava contra a influência dos Estados Unidos na Nicarágua.

Com a ditadura dos Somoza, os sandinistas sofreram perseguição implacável e só retomaram suas forças no final da década de 1950, sobretudo após o sucesso da Revolução Cubana. Os sandinistas ganharam força e recrutaram estudantes, camponeses, trabalhadores urbanos e, assim, surgiram guerrilhas nos meios rurais e urbanos. O FSLN surgiu de maneira oficial nesse contexto e foi criado em 1961.

A luta dos sandinistas contra os Somoza ganhou força, e, em 1979, uma guerra civil eclodiu na Nicarágua. Essa situação forçou os Somoza a fugir do país e levou os sandinistas ao poder. Os sandinistas permaneceram no poder até 1990. Entre 1985 e 1990, o país foi governado por Daniel Ortega, que, durante seu governo, realizou reforma agrária, promoveu campanhas de alfabetização e vacinação para a população, procurou diminuir a desigualdade social e combater a influência estrangeira no país.

Paradoxalmente, o Ortega de hoje é totalmente diferente daquele Ortega que lutou pelos sandinistas na década de 1980. Ortega tomou terras dos camponeses, aproximou-se do FMI e do empresariado que um dia criticou, decidiu implantar medidas econômicas de austeridade e tornou-se um autocrata (governante com poder absoluto). Há inclusive uma forte crítica feita a Daniel Ortega por ter-se tornado exatamente o que criticava décadas atrás: “Ortega y Somoza son la misma cosa” (Ortega e Somoza são a mesma coisa).

Aplicações no Enem

Estudante, fique atento aos desdobramentos da situação na Nicarágua, pois há, neste momento, uma grande indefinição dos caminhos que o país da América Central pode seguir. De toda forma, é importante manter-se atento a algumas questões:

  • Revolução Sandinista: alguns analistas afirmam que há uma distância muito grande do sandinismo para a política atual de Ortega (chamada de orteguismo). Assim, é bom atentar-se para o que foi a Revolução Sandinista, seus princípios e quais as diferenças entre o governo atual de Ortega e os ideais sandinistas.

  • Crise na América Latina: há muitas semelhanças (mas também muitas diferenças) entre a crise que afetou a Nicarágua e a que atingiu a Venezuela. Em partes, uma refletiu-se na outra, pois um dos grandes parceiros econômicos da Nicarágua é a Venezuela. Portanto, é importante estar a par dos acontecimentos nos dois países. Esse exercício de comparação pode ser ampliado ao analisarmos o fracasso das políticas de massa coordenadas por Maduro, na Venezuela, e por Ortega, na Nicarágua. Por fim, podemos também analisar a questão da violação dos direitos humanos nos dois países.

*Créditos da imagem: Riderfoot e Shutterstock

**Créditos da imagem: Mark Reinstein e Shutterstock


Por Daniel Neves
Graduado em História