Um grupo de estudantes do Ensino Médio em São Paulo decidiu abrir um abaixo-assinado para que a Fuvest inclua mais livros com autoria de mulheres na lista de obras literárias do vestibular da Universidade de São Paulo (USP), um dos principais do país.
Alice Lauria, Luzia Alonso e Lena Giuliano fazem parte do coletivo feminista “Eu Não Sou Uma Gracinha”, do Colégio Gracinha, e decidiram abrir a petição após o workshop do programa Elas Mudam o Mundo, voltado para o empoderamento feminino e mobilização das mulheres para promover mudanças sociais.
O abaixo-assinado está na plataforma Change.org e já conta com mais de 3 mil assinaturas. O objetivo das estudantes é chegar a 5 mil. De acordo com Alice Lauria, 16 anos, aluna do 2º ano, as estudantes se surpreenderam quando o professor apresentou as obras dos próximos vestibulares e viram poucas autoras mulheres.
“Em uma das reuniões do coletivo refletimos que estudamos seis meses sobre Romantismo e não ouvimos falar de nenhuma romancista mulher. Se a Fuvest incluísse mais livros de mulheres na lista do vestibular, consequentemente as escolas iriam inseri-los na grade escolar. Muitos dos jovens leem apenas os livros que são cobrados nos vestibulares, então seria uma forma de valorizar as autoras femininas e torná-las mais conhecidas”. (Alice Lauria, participante do coletivo Eu Não Sou Uma Gracinha”)
As estudantes sugeriram a inserção de obras da escritora Maria Firmina dos Reis, que foi a primeira romancista brasileira e autora da obra ‘Úrsula’, que traz em suas páginas o tema da escravidão. A autora Carolina Maria de Jesus, de ‘Quarto de despejo’ (obra que está na lista da Unicamp e de vários outros vestibulares) também foi uma opção sugerida pelas estudantes.
Veja os livros exigidos para os Vestibulares 2020
O Coletivo analisou as listas de obras literárias de outros vestibulares e também constatou a pouca presença de livros escritos por mulheres. No entanto, a lista da Unicamp, por exemplo, possui três autoras femininas: Ana Cristina Cesar, Júlia Lopes de Almeida e a própria Carolina Maria de Jesus.
“Eu acho que não é uma particularidade da Fuvest, mas escolhemos este vestibular por ser um dos maiores. É meio absurdo só ter um livro escrito por mulher no maior vestibular do Brasil”. (Alice Lauria)
Alice também comentou que a desvalorização da mulher está em várias áreas, como na literatura. “É uma construção de anos e essa desvalorização existe até hoje. Cabe a nós tentar mudar esta situação”, finalizou.
Livros Fuvest
As obras literárias para o vestibular da USP já estão definidas até 2022. Entre os nove autores definidos, a lista conta com apenas uma mulher em cada edição. Para o Vestibular 2020 a autora Helena Morley entra com a obra ‘Minha Vida de Menina’, enquanto para 2021 e 2022 Cecília Meireles está com a obra ‘Romanceiro da Inconfidência’.
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As obras literárias para compor o conteúdo do Vestibular da Fuvest são escolhidas pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da USP. O Brasil Escola entrou em contato com a universidade para perguntar sobre os critérios da escolha. A assessoria de imprensa enviou nossa demanda para a PRG, mas não obtivemos retorno.
As inscrições para o Vestibular 2020 da Fuvest serão abertas no dia 12 de agosto e vão até 20 de setembro. As provas serão aplicadas em 24 de novembro e 5 e 6 de janeiro.
Coletivo “Eu Não Sou Uma Gracinha”
O coletivo surgiu em 2014, dentro do Colégio Gracinha, após a professora de História do 9º ano pedir para os estudantes criarem projetos de lei fictícios para serem aplicados dentro da escola. Um grupo de alunas propôs um projeto de lei que seria um coletivo, um espaço para as meninas conversarem sobre feminismo. A professora gostou da ideia e o projeto saiu do fictício para o real.
O Eu não sou uma Gracinha foi um meio que as estudantes encontraram para unir as meninas e combater atitudes machistas dentro do próprio colégio, como também introduzir o conhecimento sobre o feminismo para quem não conhece o movimento.
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O coletivo se reúne todas as sextas-feiras para debater temas ligados ao feminismo. O grupo é composto por estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio e cada reunião conta com uma média de 15 meninas. Também são realizadas reuniões extraordinárias em outros dias envolvendo pais, professores e até meninos para tratar de temas específicos como feminismo negro, prostituição, maternidade etc.
Segundo Alice, o Coletivo conseguiu várias conquistas nesses quase cinco anos de existência. “Nossa relação com os alunos homens mudou muito depois do coletivo, inclusive com professores. Hoje eles entendem sobre a questão do toque, por exemplo, e nos ouvem mais”. A estudante também relata que conseguiram colocar uma estante de livros feministas dentro da biblioteca da escola e retiraram as obras que consideraram machistas.