Ministro da Educação quer ter acesso à prova do Enem para evitar questões “ideológicas”

UNE afirma que o próprio ministro está sendo ideológico e que tomará medidas em caso de censura no exame.
Em 07/06/2021 18h12 , atualizado em 07/06/2021 18h31 Por Adriano Lesme

Milton Ribeiro, ministro da Educação / Crédito da foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil
Milton Ribeiro, ministro da Educação / Crédito da foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil
Crédito da Imagem: Marcello Casal Jr Agência Brasil
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O ministro da Educação, Milton Ribeiro, manifestou a intenção de querer fazer parte da comissão que elabora a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A afirmação foi dada em entrevista à emissora CNN na última semana.

Desde que o Enem foi criado, em 1998, a prova é mantida sob sigilo e nem mesmo o ministro da Educação tem acesso ao seu conteúdo. Milton Ribeiro quer ter acesso às questões da prova para, segundo ele, evitar questões ideológicas e subjetivas. Ele afirmou que vai conversar com o presidente Jair Bolsonaro e com assessores para discutir essa possibilidade.

Segundo o ministro, os participantes do Enem estão sendo "surpreendidos com questões que nada têm a ver com conhecimento necessário para ele ter acesso ao ensino superior". Para ele, é uma vontade da grande maioria da sociedade brasileira alterar o conteúdo do Enem. 

Leia: Como é feita a prova do Enem

Como exemplos de questões subjetivas e ideológicas, Ribeiro citou uma questão sobre “vestimenta de travestis”. No entanto, nunca houve uma pergunta sobre vestimenta de travestis no Enem. O ministro se refere a uma questão do Enem 2018 que citava o pajubá, dialeto criado por gays e travestis. Ao contrário do que disse Milton Ribeiro, a questão não cobrava conhecimento do pajubá, mas o que o caracterizava como um dialeto.

Questão do Enem 2018 que citava o dialeto pajubá

O ministro também citou uma questão do Enem 2020 que comparava os salários dos jogadores Neymar e Marta, o que seria, segundo ele, “desnecessária para avaliar o conhecimento de alguém”. A questão foi, inclusive, motivo de críticas do presidente Jair Bolsonaro, que a classificou como “ridícula”. Segundo a revista Veja, essa questão motivou a exoneração do ex-presidente do Inep, Alexandre Lopes.

“Eu acredito que está na hora de a gente dar uma reviravolta nestas questões do Enem”. (Milton Ribeiro, ministro da Educação).

Milton Ribeiro quer que as questões objetivas do Enem 2021 sejam somente técnicas, sem cunho ideológico, deixando apenas para a redação o papel de fazer uma discussão mais subjetiva e filosófica.

O Brasil Escola entrou em contato com o Ministério da Educação (MEC) questionando se a interferência do ministro na prova do Enem não se trata de uma censura. Até o momento, não obtivemos resposta.

Weintraub também polemizou Enem

O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, também polemizou as questões do Enem. Em dois momentos, afirmou que não haveria questões ideológicas no exame. Na época, o Inep também criou uma comissão para analisar as questões do Enem, o que foi visto como uma tentativa de censura.

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UNE critica ministro

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, afirmou que quem está sendo ideológico é o próprio ministro. “Essa é uma tentativa do Governo Bolsonaro em colocar a questão ideológica em todo seu governo e, de forma gritante, no Ministério da Educação, transformando a pasta em uma ferramenta de ‘guerra cultural’ do seu projeto conservador e de desmonte público”, comentou.

De acordo com Montalvão, interferir na prova do Enem é censurar as questões a partir da opinião do governo Bolsonaro, pois a banca já faz uma análise técnica das questões antes de irem para o Banco Nacional de Itens. 

“Se houver censura nas perguntas, na correção, tomaremos medidas para garantir a lisura do processo do Enem, que é o mecanismo de democratização do acesso ao ensino superior”. (Iago Montalvão, presidente da UNE).

Senso crítico

O orientador pedagógico e professor de História do Curso Pré-Vestibular da Oficina do Estudante, Alfredo Terra Neto, concorda que o ministro está sendo ideológico ao querer interferir na prova do Enem. “Em tudo existe uma ideologia, a própria tentativa de neutralidade é uma ideologia. Quando o Ministro da Educação pretende fazer uma ‘prova mais técnica e menos subjetiva’, ele está adotando uma ideologia".

Alfredo Neto também afirma que é um erro tornar a prova do Enem puramente técnica. Para ele, informações técnicas são facilmente encontradas na internet, sendo fundamental selecionar alunos que saibam usar criticamente seus conhecimentos. “Uma das habilidades cobradas no ENEM é o senso crítico e interpretação crítica de fenômenos naturais e sociais”. 

“De nada adianta o aluno saber que a Revolução Francesa defendeu princípios universais como igualdade civil e não questionar que hoje, mesmo que sejamos iguais perante a lei, uma mulher negra possa ganhar até 70% a menos que um homem branco no mesmo cargo”. (Alfredo Neto, orientador pedagógico)

Por fim, Alfredo diz que as universidades precisam de cidadãos críticos, capazes de usar seus conhecimentos técnicos em prol de melhorias coletivas da sociedade.