70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada após os horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial e no Holocausto, completa 70 anos em 2018.
Por Daniel Neves Silva

A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todo ser humano nasce livre e igual em dignidade e em direitos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todo ser humano nasce livre e igual em dignidade e em direitos.
Crédito da Imagem: Shutterstock
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Em dezembro de 2018, completam-se 70 anos da elaboração e da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), documento que norteia os princípios básicos legais dos direitos de todos os seres humanos. Essa declaração é extremamente importante, pois serviu de inspiração para elaboração de outros documentos legais em diferentes partes do mundo. A elaboração da Constituição do Brasil de 1998, por exemplo, foi influenciada pela DUDH.

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Contexto Histórico

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi elaborada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Na época, a recém-formada Organização das Nações Unidas (ONU), motivada pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, decidiu formar uma comissão composta por juristas de diferentes partes do mundo a fim de produzir um documento que enumerasse os direitos básicos de todos os seres humanos.

Naquele momento, o mundo descobria todos os horrores cometidos durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Os detalhes das violências e dos massacres eram divulgados para todo o mundo por meio dos julgamentos realizados nos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, os quais visavam à punição de nazistas e japoneses, respectivamente.

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A partir desses julgamentos, veio à tona o horror da perseguição cometida pelos nazistas contra os judeus em toda a Europa, a qual resultou na morte de seis milhões de judeus. Na Ásia, detalhes dos massacres e dos abusos sexuais cometidos pelos japoneses na China e na Coreia também foram revelados.

Dispostos a evitar que esses horrores acontecessem novamente, os líderes das grandes nações reuniram-se por meio da ONU e decidiram que era hora de elaborar um documento que norteasse a humanidade em relação à manutenção dos direitos e da dignidade de todos seres humanos.

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Para elaboração desse documento, a ONU criou uma comissão liderada por Eleonor Roosevelt, esposa de Franklin D. Roosevelt, então presidente dos Estados Unidos. Esse comitê, estabelecido no início de 1946, contou com a participação de pessoas de vários países, como Canadá, Índia, China, França, e seus trabalhos estenderam-se por quase três anos.

O texto final da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovado na Assembleia Geral da ONU que ocorreu no dia 10 de dezembro de 1948. A aprovação aconteceu por meio da Resolução 217, na qual, das 58 delegações presentes, 48 votaram a favor da DUDH (incluindo o Brasil), 8 abstiveram-se e 2 não votaram.

Por meio da Resolução 217, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Por meio da Resolução 217, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Outros documentos que incorporavam direitos básicos a todos os seres humanos já haviam sido produzidos em outros momentos da história. Um dos mais conhecidos deles foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, produzido em 1789 durante a Revolução Francesa. Em 1628, também foi proposta na Inglaterra uma declaração sobre os direitos humanos: a Petition of Right (Petição de Direitos).

Todos os 93 países-membros da ONU assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que os orientava a cumprir os princípios nela estipulados. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), podem-se extrair da Declaração Universal dos Direitos Humanos seis mensagens básicas1:

  • A Declaração empodera todos nós.

  • Os direitos humanos são relevantes para todos nós, todos os dias.

  • Somos todos seres humanos e compartilhamos dos mesmos valores universais.

  • Com igualdade, justiça e liberdade, prevenimos a violência e mantemos a paz.

  • Todas as vezes que se abandonam valores fundamentais, a humanidade como um todo corre risco.

  • Precisamos defender os nossos direitos e os dos outros.

Apesar de representar uma grande realização para a humanidade, ainda há inúmeros avanços a serem alcançados em relação aos direitos humanos.

Artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A DUDH possui ao todo 30 artigos, que abordam os direitos de todos os homens à dignidade e ao tratamento com respeito. A declaração fala também sobre o direito à liberdade de trabalho, de expressão, de imprensa, religiosa, etc. Aborda ainda o direito básico do homem de possuir propriedade, garantia que não pode ser alienada arbitrariamente por ninguém.

O artigo 1 é o artigo básico referente aos direitos humanos:

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.


Esse artigo foi redigido de uma forma muito significativa, pois ressalta que todo ser humano, antes de qualquer direito, deve ser tratado com dignidade. Sendo assim, os direitos são inerentes a todos, e a dignidade no tratamento ao outro vem antes de quaisquer direitos – independente se a conduta da pessoa foi ou não correta.

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Na elaboração desse artigo, destaca-se também a atuação de Hansa Mehta, redatora indiana que sugeriu que a frase proposta “todos os homens nascem livres” fosse transformada em “todos os seres humanos nascem livres”, conforme afirma o jornalista Jamil Chade2.

É evidente que ainda há inúmeros desafios a serem superados, pois, apesar dos 70 anos de DUDH, inúmeros de seus artigos estão longe de serem cumpridos em todo o mundo. Um exemplo claro é o artigo 4, que afirma que “ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos”. Apesar disso, a própria ONU afirma que, atualmente, existem 40 milhões de pessoas no mundo sob regime de escravidão3.

Outro artigo da DUDH que merece destaque é o artigo 5, que fala que “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”. Esse texto é de extrema relevância, uma vez que, ainda hoje, no século XXI, a prática da tortura é comum e acontece em todas as partes do mundo.

Experiências históricas recentes no Brasil, por exemplo, revelam o desrespeito a esse artigo, já que a tortura foi uma prática realizada pelos governos brasileiros durante o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985). Apesar da importância desse princípio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, são evidentes o descaso e a impunidade em relação ao assunto, uma vez que os torturadores nunca foram punidos por seus crimes.

A prática da tortura não é uma exclusividade de experiências brasileiras. Durante a ditadura chilena, por exemplo, milhares de pessoas foram torturadas sob a tutela de Augusto Pinochet. Em Camboja, também foram realizados atos de tortura durante o regime do Khmer Vermelho. Os próprios Estados Unidos já foram acusados de torturar reclusos que estão na prisão de Guantánamo, na Cuba.

Outro artigo relevante da DUDH é o artigo 14, que fala que “toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”. Nos últimos anos, essa questão tem sido bastante evidenciada em virtude da crise de refugiados que despontou na Europa, a qual está relacionada com o grande fluxo de imigrantes que fugia da violência na África e no Oriente Médio.

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Essa questão relacionada ao asilo remete, por exemplo, a um problema que tem-se agravado nas Américas Central e do Norte. Desde 2014, o fluxo de imigrantes de Honduras, Guatemala e El Salvador em direção aos Estados Unidos tem aumentado drasticamente. Em virtude disso, o controle de fronteira do México tornou-se muito mais rígido.

Refugiados hondurenhos que fugiram de seu país por conta da violência e da pobreza.*
Refugiados hondurenhos que fugiram de seu país por conta da violência e da pobreza.*

O jornalista Johnny Harris denunciou que o México não tem oferecido asilo aos imigrantes apreendidos em seu território, contrariando os acordos internacionais sobre asilo de imigrantes e desrespeitando a própria DUDH4.

Assim, apesar de a DUDH representar um relevante avanço para a humanidade na promoção da dignidade e do respeito a todos os seres humanos, ainda é necessário que ocorram melhorias. A promoção dos direitos humanos, bem como a garantia de que todos tenham acesso a eles, é uma luta de todos os seres humanos.

Caso tenha interesse em ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos na íntegra, sugerimos a leitura deste artigo.


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1 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para acessar, clique aqui.

2 Artigo 1: 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para acessar, clique aqui.

3 Mais de 40 milhões de pessoas ainda são vítimas de trabalho escravo no mundo. Para acessar, clique aqui.

4 Para ampliar seu conhecimento sobre o assunto, assista “How US outsourced border security to Mexico”. Para acessar, clique aqui [em inglês].

*Créditos da imagem: Vic Hinterlang e Shutterstock