Trans e travestis nas universidades: o difícil acesso ao ensino superior no Brasil

Pesquisa da Andifes revela que pessoas trans e travestis representam apenas 0,2% dos estudantes em instituições públicas de ensino superior.
Em 16/03/2022 16h40 , atualizado em 16/03/2022 16h46 Por Lucas Afonso

Bandeira trans
A bandeira nas cores branco, azul e rosa representa a comunidade formada por pessoas transgêneros.
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Os desafios impostos às pessoas trans e travestis perpassam suas vidas seja pelas violências simbólicas e físicas com as quais esses corpos sofrem ou pelas dificuldades em ocupar espaços de formação, trabalho e lazer. Por não se adequarem ao sistema heteronormativo, que espera dos corpos a representação de papéis de gêneros preestabelecidos, os corpos trans e travestis são cerceados e impedidos constantemente de circularem e existirem.

Fique por dentro - Orientações sobre identidades de gênero: conceitos e termos

O Brasil é o país que mais mata travestis, mulheres e homens transexuais no mundo, de acordo com o relatório desenvolvido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). O dossiê mapeia anualmente os assassinatos cometidos contra essa população e evidencia uma realidade marcada pela negligência e discriminação. 

O acesso aos espaços de trabalho pelas travestis e pessoas trans é intensamente afetado diante das dificuldades encontradas para serem aceitas, acolhidas e respeitadas. Uma pesquisa da ANTRA mostra o quanto a dimensão desta problemática é complexa e precisa ser discutida, já que apenas 10% dessa população se encontra empregada no mercado de trabalho formal e 90% sobrevivem por meio da prostituição.

A realidade marcada por constantes violências e impedimentos afeta diretamente o acesso à educação dessas pessoas. Ao longo do período de formação básica, a evasão escolar é muito comum na vida de travestis e pessoas trans, uma vez que o desrespeito às suas identidades e as condições financeiras dessa população interferem incisivamente na continuidade dos estudos.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) publicou a 5º Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior, um levantamento consistente acerca da dimensão sobre os estudantes de graduação de universidades públicas. 

O estudo evidencia a baixa presença de pessoas trans nesses espaços, que representam apenas 0,2% desses estudantes. Esse cenário escancara a exclusão pela qual essa população vive. 

Confira na íntegra o estudo da Andifes sobre o perfil dos graduandos 

Os cursinhos preparatórios destinados ao atendimento de travestis e transexuais é uma realidade que busca capacitar essas pessoas a ingressarem no ensino superior. No Brasil, entre essas iniciativas estão o Transvest de Belo Horizonte (MG) e o Transpassando em Fortaleza (CE).

Leia também: Estudantes trans encontram em cursinhos LGBT o apoio para ingressar na faculdade

Professoras trans e travestis

Em 2019, a carioca Dani Balbi se tornou a primeira mulher trans a ser professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde a fundação em 1792. Nessa mesma  instituição ela concluiu seu doutorado em Ciências da Literatura. A presença de Dani Balbi nesse lugar representa ao mesmo tempo uma conquista de um árduo tempo de resistência, mas também e essencialmente uma exclusão evidente.

Letícia Nascimento, autora do livro Transfeminismo da coleção Feminismos Plurais, é a primeira travesti a se tornar professora na Universidade Federal do Piauí (UFPI) também em 2019. A pedagoga desenvolve pesquisas sobre aspectos que dizem sobre a perspectiva feminista por meio da ótica travesti e trans. 

Com pesquisas sobre questões raciais, de gênero e sexualidade, a psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus é uma pesquisadora trans e docente do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). A professora e ativista elaborou um guia técnico que apresenta termos e conceitos importantes sobre as identidades de gênero (leia).

Dani, Letícia e Jaqueline ocuparam esse espaço e possibilitam com suas narrativas de vida impulsionar os sonhos de tantas outras e outros que desejam cursar uma graduação e conseguir um trabalho formal. 

É fundamental a promoção de políticas públicas e ações afirmativas que possibilitem às mulheres e homens trans, bem como às travestis, terem acesso à educação no Brasil. Conquistas como o uso de nome social e a mudança no registro de nascimento não são suficientes para garantir dignidade e qualidade de vida a essas pessoas. 

É necessário responsabilidade social no acolhimento desses corpos por parte da sociedade e oportunidade para que possam trabalhar, estudar e terem momentos de lazer.