50 anos da Primavera de Praga

A Primavera de Praga foi resultado da insatisfação da sociedade checoslovaca com o autoritarismo do regime comunista imposto no país aos moldes do comunismo soviético.
Por Daniel Neves Silva

Em agosto de 1968, tropas soviéticas invadiram Praga para pôr fim às reformas que estavam em curso no país.
Em agosto de 1968, tropas soviéticas invadiram Praga para pôr fim às reformas que estavam em curso no país.
Crédito da Imagem: Shutterstock
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Primavera de Praga é o nome que se dá ao período de oito meses de efervescência política, cultural e social que aconteceu na Checoslováquia (hoje dividida em duas nações, República Tcheca e Eslováquia) em 1968. Essa movimentação é entendida pelos historiadores como uma tentativa da sociedade checoslovaca de reformar o comunismo do país, que estava alinhado com as tendências ditatoriais impostas pela União Soviética. Veja neste texto uma rápida definição do que foi a Primavera de Praga e as formas como esse assunto pode ser aplicado nos vestibulares e no Enem.

Antecedentes

Após a Segunda Guerra Mundial, o leste da Europa foi ocupado pelas tropas da União Soviética e, a partir daí, esses países foram integrados ao bloco comunista e governados por partidos comunistas, que se estruturaram com base nos moldes do comunismo soviético, ou seja, no stalinismo. O historiador britânico Eric Hobsbawm descreve as nações do bloco soviético da seguinte maneira:

Em todo eles [países comunistas do leste europeu] encontramos sistemas políticos unipartidários com estruturas de autoridade altamente centralizadas; verdade cultural e intelectual oficialmente promulgada, determinada pela autoridade política; economias centrais planejadas pelo Estado; e, até mesmo, relíquia mais óbvia da herança stalinista, líderes supremos de forte perfil|1|.

Em muitos desses países, o surgimento de um regime comunista havia sido imposto pela força das tropas soviéticas, mas no caso da Checoslováquia, o surgimento de um regime comunista partiu de uma demanda social que via no comunismo uma esperança de melhorias para o futuro. Esse dado é reforçado por Hobsbawm, que afirma que o Partido Comunista recebeu 40% dos votos na Checoslováquia em 1947|2|.

As práticas políticas impostas às nações do leste europeu pelo governo de Moscou geravam forte insatisfação nas nações do bloco. A partir da década de 1950, surgiram debates em diversas nações propondo um reformismo para o comunismo soviético. Isso ocorreu sobretudo depois de 1956, quando aconteceu a desestalinização promovida por Nikita Kruschev. O grande impacto disso aconteceu inicialmente na Hungria, com a ocorrência de uma revolução popular reprimida por Moscou.

No caso da Checoslováquia, a ideia de reformismo do comunismo não repercutiu no país ao longo da década de 1950 e só se manifestou a partir da segunda metade da década de 1960. A agitação dentro do Partido Comunista (PC) da Checoslováquia gerou grandes repercussões na sociedade. Os eventos da Primavera de Praga são o resultado disso.

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Primavera de Praga

A agitação que abalou a sociedade checoslovaca durante meses em 1968 iniciou-se no dia 5 de janeiro, quando Alexander Dubcek assumiu o posto de primeiro-secretário do PC da Checoslováquia. Dubcek era um político reformista que possuía uma estreita ligação com intelectuais locais e defendia a ideia de promover um “socialismo com rosto humano”.

Antes de analisarmos os acontecimentos motivados pelo desejo de reformismo que caracterizou a Primavera Praga, é importante entendermos como esse sentimento surgiu. Hobsbawm afirma que o reformismo originou-se da oposição interna realizada pelos eslovacos no PC local. Isso se torna mais fácil de entender quando lembramos que a Checoslováquia era um Estado binacional, composto por tchecos e eslovacos. Esses últimos consideravam-se marginalizados na sociedade checoslovaca e passaram a defender um reformismo no partido |3|.

Outro fator que pode ser considerado é a desilusão de parte da sociedade checoslovaca com o regime comunista imposto em seu país. Conforme mencionado, durante a década de 1940, o comunismo era visto por parte da sociedade como uma esperança de melhorias futuras. Passadas duas décadas, a desilusão com a realidade do regime batia à porta. Essa insatisfação manifestava-se, principalmente, na classe intelectual do país.

Após a posse de Dubcek, a força do discurso por reformas na sociedade e no regime comunista na Checoslováquia espalharam-se por toda a sociedade e alcançou, principalmente, os estudantes, que já em março de 1968 manifestavam-se exigindo o fim da censura que existia no país. O resultado disso foi que, no mesmo mês, a censura foi revogada da Checoslováquia.

Com o fim da censura, começaram a circular, sobretudo em Praga, diversos itens até então proibidos, como discos musicais e filmes estrangeiros. Além disso, a população passou a manifestar sua opinião, e isso se refletiu na figura do próprio Alexander Dubcek: criticado por uns e elogiado por outros.

Em meio a esse clima de abertura política e agitação social, Dubcek divulgou, em 5 de abril de 1968, um “Programa de Ação” do PC checoslovaco. Esse programa de ação estipulava liberdade de expressão, liberdade de imprensa, maior liberdade para as empresas e dava a promessa da imposição de uma democracia pluripartidária para a Checoslováquia. Essa proposta de reforma realizada por Dubcek foi apoiada por húngaros, iugoslavos e romenos.

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Tudo o que acontecia na Checoslováquia (reforma política, democratização da política e da sociedade, abertura de fronteiras, agitação de movimentos sociais e estudantis, entre outras coisas) representavam uma grave ameaça para o poderio de Moscou sobre o bloco soviético no leste europeu, assim, o governo soviético logo tratou de negociar com os checoslovacos que as reformas fossem realizadas de maneira mais branda.

As tentativas de negociação realizadas pela União Soviética para conter as reformas na Checoslováquia foram rejeitadas por Dubcek. Por essa razão, os soviéticos resolveram agir. Em 16 de agosto de 1968, o comitê do PC soviético decidiu colocar fim ao regime de Dubcek na Checoslováquia.

Com isso, na madrugada do dia 20 para o dia 21 de agosto de 1968, a cidade de Praga – capital da Checoslováquia – foi invadida por uma força composta por aproximadamente 500 mil soldados de diversas nacionalidades (os russos eram a maioria). A repressão exercida pela União Soviética forçou Dubcek a recuar nas reformas que pretendia realizar na Checoslováquia e, assim, toda a abertura e reforma política que aconteciam naquele país terminaram em fracasso.

A invasão de Praga pelas tropas soviéticas resultou em manifestações espontâneas da população de forma não violenta. Esas manifestações seguiram-se durante vários dias em Praga, mas não resultaram em efeito prático. A Primavera de Praga chegara ao fim. O governo checoslovaco teve de abrir mão de suas reformas, e Dubcek foi deposto do seu cargo em 1969.

O fim da Primavera de Praga e a “aceitação” da população após a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas foram alvo de críticas de alguns intelectuais. Segundo o professor de História na Faculdade de Filosofia de Praga, houve um “pacto de silêncio” entre os checoslovacos e a União Soviética com os primeiros aceitando algumas aberturas oferecidas por Moscou em troca de manterem-se em silêncio e não se oporem ao regime imposto por Moscou |4|.

Durante as duas décadas seguintes, segundo Hobsbawm, o bloco comunista entrou em colapso. Os  PCs dos diferentes países passaram a desacreditar do próprio regime. Iniciou-se um período de duas décadas em que o bloco comunista manteve-se coeso exclusivamente por conta da repressão exercida por Moscou |5|. O desejo reformista permaneceu reprimido na Checoslováquia e somente em 1989, após a Revolução de Veludo, é que o comunismo teve fim no país.

Primavera de Praga no Enem

Neste ano, completam-se exatamente cinquenta anos da Primavera de Praga. Isso, naturalmente, coloca esse assunto em evidência e suscita diversos debates, principalmente sobre o fracasso do comunismo enquanto alternativa de modelo político e econômico. Por essa razão, temos que considerar algumas questões relacionadas direta ou indiretamente com o assunto que podem ser cobradas no Enem.

Fracasso do bloco soviético: conforme mencionado no texto, historiadores, como Hobsbawm, sugerem que o fracasso da Primavera de Praga e o descrédito que se estabeleceu no bloco comunista após isso deram início ao processo de decadência do bloco soviético. A manutenção deste nas décadas seguintes ocorreu apenas por causa do poderio econômico e militar da URSS.

Maio de 1968 e a revolução dos costumes: apesar de ter surgido antes dos movimentos estudantis da França de maio de 1968, a Primavera de Praga encontra-se inserida dentro do mesmo contexto de movimentos que surgiram exigindo mudanças na política e na sociedade e realizando uma revolução cultural. Assim, é importante considerar as relações existentes entre os dois movimentos.

Comunismo: os 50 anos da Primavera de Praga podem ser um importante eixo para se discutir as diferenças teóricas e práticas dos comunismos. Assim, pode-se fazer um exercício de análise das diferenças da ideologia na teoria com sua aplicação prática com base no modelo stalinista dos soviéticos, bem como as diferenças existentes entre os regimes, como o comunismo soviético, iugoslavo e chinês.

|1| HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 385.
|2| Idem, p. 385.
|3| Idem, p. 388.
|4| O buraco negro da memória. Para acessar, clique aqui.
|5| HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 389.