Análise de "Sonetos", de Luís de Camões (1595)

Por meio da obra Sonetos, o poeta português Luís de Camões fez confissões de sentimentos amorosos, reflexivos e religiosos.
Por Sistema Poliedro

Imprimir
Texto:
A+
A-
PUBLICIDADE

Se Sá de Miranda foi o responsável por introduzir o soneto em Portugal, Camões foi o protagonista do seu triunfo, por fazer com que esse gênero poético se consolidasse de uma vez por todas em terras lusitanas. O escritor seguiu de perto as regras de composição e, sobretudo, obedeceu rigorosamente aos princípios da imitação dos clássicos, em especial, a imitação do italiano Petrarca. 

A forma breve do soneto, unida aos versos decassílabos, foi a ocasião propícia para que Camões imprimisse no papel suas ideias e as defendesse com maestria. Geralmente, em seus sonetos, predominam as temáticas do amor e do desconcerto do mundo, como uma preocupação de mostrar as aflições humanas e os seus anseios ou uma forma de expressar a incompreensão a respeito do próprio tempo. 

A linguagem do poeta costuma apresentar jogos verbais e conceituais, metáforas, antíteses, comparações, paradoxos e hipérboles. Seus sonetos apresentam emoções, mas também desenvolvem raciocínios. Os dilemas existenciais são disciplinados: a expressão e as emoções surgem contidas, porém comoventes. A perfeição desejada pelo poeta é limitada pela condição humana. 

Leia também: Análise da obra "O Espelho", de Machado de Assis

A tensão lírica que nutre o texto camoniano nasce das oposições entre o real e o ideal, o eterno e o transitório, a morte e a vida, o pessoal e o universal. Predomina o desajuste entre o que se deseja e o que se consegue, fazendo com que o poeta não encontre harmonia entre a vida ideal, marcada pela busca do amor, e a concretude da realidade. 

Ainda é importante destacar que o escritor enxerga na interiorização uma forma de atingir a plenitude divina, sendo ela uma via de escapar da aparente irracionalidade do mundo.

Embora seja impossível determinar com certeza a data de composição dos poemas, é razoável aceitar a ideia de uma evolução no tratamento dos assuntos ao longo do tempo. Isso é o que sugere o estudo do tema central da lírica camoniana em medida nova: o amor. 

De certa forma, Camões já anuncia uma imagem viva e impregnada de pontos obscuros, inalcançáveis pela razão, percebida com angústia pelos sentimentos, que tornava o eu lírico cada vez mais depressivo e desesperançado. O autor nos mostra em seus sonetos, de forma atemporal, um universo cheio de amor e um sentimento forte de desconcerto com relação ao mundo que nos cerca.

Tópicos deste artigo

Sobre o autor: 

Luís de Camões foi o primeiro poeta modernista, que escreveu no início do século passado diversas obras, dentre elas, Lusíadas. Esta é a obra de maior glória da língua e da literatura portuguesas e se tornou uma referência obrigatória, influenciando diretamente a poesia brasileira e lusitana dos séculos posteriores. Quando Camões escreveu essa epopeia, Portugal estava no auge do poder, conquistando terras e mais terras. No decorrer dos versos, é contada a descoberta do caminho para as Índias em 1498, na famosa viagem de Vasco da Gama, um acontecimento tão importante que foi responsável por tornar Portugal o mais forte império do Renascimento ocidental. No entanto, Camões fez muito mais e não se restringiu à poesia épica. O escritor explorou também a poesia lírica, escrevendo alguns dos sonetos mais belos, cujos temas principais eram o amor, o desconcerto do mundo e a transitoriedade das coisas.

Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;)

A estrutura do Soneto:

A forma poética soneto originou-se em Provença, na França, e teve Petrarca como o seu principal difusor, no século XIV. Trata-se de uma composição formada por dois quartetos (conjunto de quatro versões) e dois tercetos (conjunto de três versos), contendo 14 versos no total. O soneto, aliado à retomada da cultura clássica greco-romana, propiciou a grande mudança da literatura, no Classicismo, e estabeleceu-se, desde então, como uma composição tradicional e como a mais famosa da lírica ocidental.

A medida velha em Camões: 

A medida velha se apresentava nas redondilhas, ora chamadas de menores – quando possuíam cinco sílabas poéticas –, ora de maiores – quando possuíam sete. Em Camões, as redondilhas apresentam primeiramente um mote, que é o tema do poema e pode ser de autoria do poeta ou vir da sugestão de alguém (mote alheio). Na sequência, aparecem uma ou mais estrofes, conhecidas como glosas ou voltas, nas quais se desenvolve a ideia apresentada no mote. Na maioria das vezes, o poeta era desafiado a compor um poema a respeito de um dado mote, a fim de mostrar o próprio talento. 

A redondilha, conforme sua organização, podia receber designações específicas, como trova, cantiga, vilancete etc. – essas formas eram famosas nas produções do Trovadorismo.

Camões compôs redondilhas, em sua maioria, amorosas, sobre um sentimento associado à beleza e à calmaria das paisagens bucólicas. Os modelos de beleza feminina, em especial, oscilam entre a graciosa camponesa e a refinada dama da Corte, às quais o poeta dirige seus versos de amor, às vezes mais espiritual, outras mais sensual. 

Além do amor, a medida velha camoniana explora um tema que remonta às origens da poesia lírica ocidental: o desconcerto do mundo. Por meio dele, o poeta explora a visão de um mundo absurdo, de natureza dinâmica, muitas vezes difícil de compreender, e revela o quanto o eu lírico é frágil e inconstante. Muda-se o tempo todo, e a mudança gera um sentimento de tensão e desconforto. Devido a isso, tudo sempre parece dar errado, um fracasso total – não há nada a ser feito para evitar o fado (o destino).

Estilo: Classicismo e Maneirismo 

Se na épica Camões foi extremamente adepto das características do Classicismo, na lírica, destoa da serenidade e da sobriedade clássica, ao apresentar, na maioria das vezes, ideias, sentimentos, contradições, desconcertos, hipérboles, trocadilhos, antíteses e paradoxos – embora apresente características do estilo clássico. Essa turbulência nos poemas caracterizou outro movimento artístico, o Maneirismo, que vigorou paralelamente ao Classicismo e que apresentou, justamente, a contradição por que passava o ser humano. Esse movimento foi o anúncio do que viria a ser depois o Barroco. Podemos dizer que o movimento artístico Maneirismo foi a transição do Classicismo para o Barroco.