A intolerância religiosa é toda e qualquer manifestação que diminua, humilhe ou agrida uma pessoa por conta de suas crenças. A liberdade de culto é garantida pela Constituição e os atentados contra ela são tipificados no Código Penal Brasileiro.
Mesmo com esses recursos legais, a intolerância religiosa continua sendo uma chaga aberta na sociedade brasileira. Isso ocorre, pois a forma como o Brasil foi construído privilegiou alguns grupos religiosos em detrimento de outros.
Por que falar sobre intolerância religiosa?
Veja o caso da Mãe de Santo Bernadete Pacífico, de 72 anos, morta a tiros nesse mês de agosto dentro do seu próprio quilombo. Ela já havia pedido proteção para a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pois estava sendo ameaçada e mesmo assim foi assassinada.
Não há como determinar que o assassinato da Mãe Bernadete tenha causas exclusivamente religiosas, porque havia disputas pela terra onde o seu quilombo está situado e ela havia perdido um filho, também assassinado em 2017. Entretanto, esse acontecimento exemplifica como grupos criminosos não tem receio de agir contra populações marginalizadas.
Atos como esses, de tamanha violência e praticados contra pessoas que tem certa visibilidade, escancaram a falta de temor dos intolerantes religiosos e assassinos ao invadirem quilombos e terreiros para matar e fazer o mal. É quase como se soubessem que não haverá consequências, pois sentem que o estado ignora essas populações.
Por isso devemos debater sobre este tema, para levar consciência as pessoas da situação grave que o Brasil se encontra. Uma vida não deveria valer menos que as outras por conta de religião, descendência, cor de pele ou qualquer outro motivo do tipo, todos têm o direito de viver e devemos lutar por isso.
Qual o conceito de Intolerância religiosa?
A Intolerância religiosa pode se manifestar de inúmeras formas, vindo de pessoas físicas, jurídicas e até mesmo do próprio estado. Tentar atrapalhar ou impedir a realização de um culto, quebrar imagens sagradas, agredir, ofender ou zombar de alguém devido a roupas e/ou costumes religiosos, todas essas atitudes configuram intolerância religiosa.
Mesmo sendo minoria em relação ao número de praticantes, com cerca de 1 milhão de membros, as crenças de matriz africana, são as maiores vítimas de intolerância religiosa. Em 2021, aproximadamente 25% dos casos aconteceram contra religiões de matriz africana.
Essa é a demonstração de uma herança da escravidão que ainda não abandonou a realidade brasileira. A propaganda contra essas religiões, ainda hoje, é intensa e carregada de racismo.
A associação do Candomblé, da Umbanda, da Quimbanda e de outras religiões de matriz africana com charlatanismo, depravação, cultos demoníacos e à falsa medicina, acontece desde a época da colonização até os dias de hoje. Essas mentiras são propagadas de forma ostensiva por líderes religiosos que se dizem cristãos, por políticos e por diversos meios de comunicação.
Ainda que determinadas religiões sofram mais com esse problema, qualquer membro de qualquer religião, ou até mesmo um indivíduo sem religião ou ateu, pode sofrer intolerância religiosa. Basta ter suas crenças e costumes (ou a ausência deles) desrespeitados ou coibidos.
Dados sobre a Intolerância Religiosa
Apesar de ser um problema antigo, os números de denúncias de intolerância religiosa cresceram no último ano. De acordo com o II Relatório sobre Intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, as denúncias sobre este tema foram de 353 em 2020 para 966 em 2021.
Chama atenção que em 2021 os casos de violência foram praticados, em sua maioria, por vizinhos, totalizando 226 casos. Outra boa parte das ocorrências acontece dentro das relações familiares, somando 49 casos em que as relações não são especificadas, mas se adicionarmos todos os parentescos sanguíneos e de casamento presentes na lista, chegamos a 274 ocorrências de intolerância religiosa, só em 2021.
Diante desses índices preocupantes, é natural que venha uma pergunta: qual a solução para a intolerância religiosa?
Bom, primeiro é preciso analisar a origem e a circunstância das ocorrências. Depois, pensar em métodos para reeducar a sociedade, ou pelo menos alguns de seus membros, a fim de aumentar a tolerância e o respeito entre as pessoas.
Afinal, são séculos de desinformação que levaram a sociedade a viver em uma divisão tão profunda e violenta, que põe pais contra filhos e transforma vizinhos em inimigos.
Partindo dessas informações e indagações, iremos esmiuçar o assunto para construirmos uma opinião mais robusta sobre o tema, vamos nessa?
Causas da intolerância religiosa
A intolerância religiosa no Brasil começa na escravização dos indígenas e dos africanos. O processo de desumanização imposto contra essas pessoas tentava afastá-las de suas crenças e culturas.
Sob o pretexto da catequização, sociedades indígenas inteiras foram escravizadas e aculturadas pelos jesuítas. Assim como foi feito com os povos africanos, eles foram sequestrados e trazidos à força para serem escravizados em terras brasileiras pela Coroa Portuguesa.
Existem relatos históricos vastos quanto à perseguição religiosa no Brasil, como a proibição da capoeira ou a lei de 1890 que condenava sacerdotes não cristãos por atentarem contra a saúde pública, alegando curandeirismo e charlatanismo.
É a partir dessas construções sociais e heranças de preconceito que pessoas mal-intencionadas constroem suas convicções para praticar a intolerância religiosa. São muitos anos de perseguição, basta ver as vestes brancas manchadas de vermelho sangue.
As formas da intolerância religiosa
Atualmente, a intolerância religiosa possui muitas configurações, é praticada por desonhecidos e familiares, por políticos e por traficantes. Os eventos mais violentos e perigosos, ultimamente, são protagonizados por membros de facções criminosas nas periferias das grandes cidades.
Muitos dos envolvidos com o tráfico de drogas tem aderido à religião evangélica e utilizam o discurso religioso para invadir terreiros, ameaçar pais e mães de santo e até mesmo matar praticantes da religião. Isso escancara como o estado brasileiro falhou em se fazer presente em determinados locais da sua extensão territorial.
Os vizinhos, como já foi dito, também marcam presença considerável ao se analisar casos de intolerância religiosa registrados no II Relatório sobre Intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. Acontecem xingamentos, lançamento de bombas, ameaças e todo tipo de constrangimento contra praticantes das religiões de matriz africana.
Boa parte dos xingamentos e ameaças proferidos associam as religiões de matriz africana com cultos demoníacos. Essa relação irracional causa medo em membros de religiões cristãs e, consequentemente, atos violentos, muitas vezes com consequências hediondas.
É necessário compreender que a figura de Satanás não existe nas religiões de matriz africana, a compreensão de mundo delas não funciona nos moldes dicotômicos da religião cristã.
Cada religião tem a sua forma de pensar e não é porque são diferentes que precisam ser conflitantes. Para compreender isso, é necessário que se faça um processo de reeducação, onde não se veja o outro como inimigo a ser destruído, mas sim como parte integrante do mundo em que se vive.
Educação, a solução para a intolerância religiosa
A educação é a arma mais poderosa que há contra a violência e a intolerância religiosa. A partir dela, é possível conhecer e compreender as religiões dentro do seu contexto histórico e cultural.
Com uma educação mais humana que trabalhe a tolerância e o respeito ao próximo, que incentive a pesquisa sobre diferentes religiões e as trate em pé de igualdade, é possível construir um futuro menos doloroso para todos. O preconceito resiste ao tempo, mas não ao conhecimento.
É a educação que nos constitui como humanos e molda a nossa cultura. Não é possível ignorar essa ferramenta para combater a intolerância religiosa. Isso vale tanto para a educação ainda nas escolas, com aulas específicas para debater estes temas, como para processos de reeducação para aqueles que forem pegos cometendo intolerância religiosa.
Não existe religião má por si só, existem apenas pessoas que se utilizam delas para justificar seus medos, maldades e covardias. Afinal de contas, assim como os Orixás, Jesus não prega o ódio.