Os dois primeiros meses de 2014 foram marcados pelo aumento das ações dos chamados '‘justiceiros’', grupos de indivíduos que reprimem e punem suspeitos de crimes com atos violentos. As notícias de levantes populares contra suspeitos de crimes sempre existiram, com casos de linchamento e até mesmo assassinatos. Entretanto, o assunto tem se tornado comum nas rodas de conversa devido ao crescimento do apoio da população e consequentemente de ocorrências.
O Rio de Janeiro foi palco de dois casos com grande repercussão midiática. No primeiro um jovem, negro, de 15 anos, apontado como assaltante, foi encontrado amarrado pelo pescoço a um poste. Ele estava nu, ensanguentado e com marcas de espancamento. Cerca de trinta homens foram apontados como autores do justiçamento. Cinco dias depois, imagens da execução de um rapaz de 20 anos, acusado de ser assaltante na Baixada Fluminense, ganharam espaço na imprensa e se espalharam pelas redes sociais. O crime chama a atenção pelo fato de dois homens terem segurado a vítima enquanto outro atirou em sua cabeça, tudo isso durante o dia em uma região movimentada.
Os dois casos dividiram a opinião pública e suscitaram outras ocorrências que se propagaram pelo país. Estados como Goiás, Piauí, onde um suspeito de roubo foi amarrado e colocado em cima de um formigueiro, Santa Catarina, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso do Sul, registraram revoltas populares contra possíveis criminosos.
Jovem acorrentado no Rio de Janeiro / Foto: Yvonne Bezerra de Mello/Arquivo Pessoal
Os defensores dos justiceiros utilizam o argumento de que a sociedade está cansada da inércia do Estado e não tolera mais o alarmante estado de insegurança que vivenciamos. Já a outra parcela da população vê as crescentes ações como um retorno à barbárie e possível prenúncio da instauração de uma desordem social.
Os dois argumentos são plausíveis. Realmente, a crescente onda de violência, a falta de políticas públicas, fragilidade do sistema penal e ineficiência do sistema carcerário tem deixado a sociedade com a sensação de estar nas mãos dos bandidos. Uma pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas aponta que cerca de 70% da população não confia no trabalho da Polícia. Mas, este descredito do poder público dá ao cidadão comum o direito de fazer justiça com as próprias mãos?
Não, não dá. Vivemos em um país regido por uma constituição, que assegura que ninguém será submetido a tortura nem tratamento desumano ou degradante e também prevê a não execução de penas cruéis. Além disso, cabe somente ao Poder Judiciário julgar e punir os cidadãos que venham a cometer crimes. Ao Estado é dado o monopólio de legítima violência física.
O fato é que a partir do momento que um cidadão comum se torna um justiceiro, ele também se transforma em um criminoso, de acordo com a lei. Uma vez a legitima defesa não contempla atos de linchamento, tortura ou violência. Ademais, quem apoia também pode ser punido por incitação e apologia ao crime. Sem contar que as chances destas ações violentas serem realizadas contra pessoas inocentes são grandes, como no caso do ator Vinícius Romão, que ficou 16 dias preso, no Rio de Janeiro, ao ser acusado de um roubo que não cometeu. Se ele tivesse sido abordado por um grupo de justiceiros e sofrido agressões, como ficaria?
Apesar da possibilidade dos justiceiros poderem responderem criminalmente por seus atos, as ações viraram rotina. O pensamento de '‘bandido bom é bandido morto’' tem ganhado força e mostra o quanto o perigo de regresso está próximo. Vivemos em uma sociedade considerada civilizada, mas atitudes como estas jogam fora todos os anos de progresso e avanço ideológico e faz com que voltemos ao tempo em que a Lei de Talião era a forma de justiça, no qual o crime é punido na mesma proporção o dano causado, o famoso “olho por olho, dente por dente”.
Não é questão de passar a mão na cabeça de criminosos e sim de manter o mínimo de civilidade necessária para que uma nação avance e se torne menos desigual. A questão da violência só poderá ser resolvida, quando o governo, como detentor do controle social, realmente agir de maneira preventiva, ao melhorar o sistema carcerário e judiciário, além de garantir os direitos básicos como acesso à educação e boas condições de vida.
E você, leitor. Qual sua opinião sobre os "justiceiros"?
Por Jéssica Gonçalves