O crime do padre Amaro

Amaro perdeu a mãe ainda criança, e então passou a viver na casa da senhora marquesa de Alegros de quem sua mãe era empregada. Ele naturalmente vivia sobre a proteção da senhora marquesa, e não só ela como as duas filhas viviam sobre uma grande influência da igreja e tinham como companhia praticamente constante o padre Liest.

Depois da morte da senhora marquesa, Amaro foi levado pra viver com seu tio e passou a trabalhar no balcão da mercearia do tio.

Como era a vontade da senhora marquesa que Amaro se tornasse padre, quando aproximava a sua ida ao seminário o tio lhe pôs em aulas de latim, foi assim que ele teve os primeiros contatos com as coisas que a vida abrange.

Amaro foi ao seminário sem nenhuma vocação, como muitos que estavam ali. Planejavam fugas, e ele perdia o sono à noite desejando mulheres e se enchia de curiosidade sobre a Virgem em quem via uma linda mulher loira e tentadora.

Quando se formou foi enviado a uma paróquia na serra onde a monotonia reinava junto aos pastores. Voltou então a Lisboa e procurou por Sra. D. Luisa, uma das filhas da senhora marquesa, que era casada com um conde. Depois de um tempo, o conde lhe arrumou uma paróquia em Leira e Amaro foi pra lá a fim de exercer o sacerdócio.

Em Leira, em contato com o cônego Dias, conseguiu alugar um quarto na casa de Dona Joaneira e sua filha Amélia, lá as noites eram agradáveis em serões com o padre Natário, o padre Brito e algumas devotas beatas.

A moça Amélia era uma das mais formosas raparigas de Leira. Quando mais nova se apaixonara, em uma viagem que fez ao mar, por Agostinho que depois de um tempo se fez casado para a tristeza da menina. Então apareceu por Leira, João Eduardo, um rapaz que se interessou logo por Amélia, ela inicialmente até pôde ter lhe retribuído o afeto, mas depois ele não passava de um pretendente insistente.

Como era de se esperar, tanto em Amaro como em Amélia despertou uma paixão. Ele durante a noite a ouvia caminhar pelo quarto enquanto se despia. Ela quando não tinha o padre em casa ia ao quarto dele e ficava a descobrir as coisas e tocá-las como se fosse o pároco.

Foi depois de um almoço com os padres que Amaro indo embora pela fazenda encontrou-se com Amélia. Essa o convidou para ir ao Morenal, a pequena terra da qual ela e a mãe eram donas. Ele aceitou o convite e como a porteira estava trancada os dois tomaram um atalho, foi aí que Amaro beijou o pescoço da menina e ela foi embora correndo.

Depois de tal coisa o padre achou melhor mudar-se da casa. Procurou o cônego Dias e pediu que lhe arranjasse uma nova morada. O cônego arrumou uma casa com alegria, afinal ele e D. Joaneira eram “amantes” e a estadia do padre atrapalhava o encontro dos dois que tinham que escapar de Amélia e agora do pároco.

Depois que se mudou Amaro deixou de freqüentar a antiga morada e vivia plenamente chateado em estar sozinho naquela casa sem poder ter ao seu lado Amélia. Já na casa de D. Joaneira não era diferente, a menina vivia em tristeza por saudades do padre. Foi assim que mãe e filha foram juntas a uma missa na paróquia de Amaro, Amélia deu um jeito de lhe falar que aparecesse, porque ela já não se agüentava.

Daí pra frente Amaro voltou à convivência na Rua da Misericórdia e começou seu romance com a menina. Tal coisa se baseava em se sentarem um do lado do outro todo o tempo, em troca de olhares e roçar de mãos durante o quino. Mas nesse ponto da história existia ainda presente João Eduardo, que morria de ciúmes do padre e odiava todo o clero.

Foi nessas circunstâncias que ele, que secretamente trabalhava como jornalista, escreveu um artigo denunciando as verdadeiras atitudes dos padres com quem convivia na casa de D. Joaneira. O comunicado foi publicado, mas sem assinatura direta. Os resultados foram a transferência do padre Brito e boatos sobre a honestidade de Amélia, uma vez que no artigo citavam a existência de um padre sedutor que enganava certa moça.

Depois disso padre Natário afirmou que não descansaria enquanto não descobrisse quem era o autor do artigo e arruinasse a vida de tal cavalheiro. E João Eduardo era um herói dentro do jornal para aqueles que sabiam do seu feito, dessa forma ele conseguiu um novo emprego. E assim que soube do emprego foi à casa de D. Joaneira e afirmando não ter nenhuma dúvida em relação à honra de Amélia a pediu em casamento.

Amélia, diante do escândalo que se tornou o artigo, aceitou o casamento e Amaro desde então deixou de freqüentar a casa da moça tão constantemente e das vezes que ia se irritava em como em instantes a menina o abandonara e já ficava de segredos com João Eduardo e o tinha esquecido.

Depois de um curto tempo dessa nova “felicidade” o padre Natário descobriu que João Eduardo escrevera o artigo e que ainda por cima não se confessava há anos e era um completo pagão. O padre também se encarregou de fazê-lo perder o emprego atual e o futuro e de ser excomungado da igreja. E padre Amaro se ocupou em fazer Amélia acabar com o casamento, afirmando que o rapaz não só fora o responsável por “sujar” a honra dela e como também ela levaria uma vida no inferno casando-se com um pagão como ele. E nessa noite em que ele falou com a menina também dela conseguiu um beijo, aproveitando-se da fragilidade da situação e da moribunda, que era uma das beatas amigas da casa que dava seus últimos suspiros no quarto ao lado.

Depois disso o rapaz procurou modos de se vingar, buscou ajuda entre os seus conhecidos “poderosos”, mas acabou se aliviando apenas desabafando com um amigo que também odiava o clero.

Na rua da misericórdia as coisas se acertavam entre Amaro e Amélia. Voltavam ao relacionamento que mantinham antes do artigo de João Eduardo e agora por influência do pároco a menina passou a se confessar com ele. A última arrumação de Amaro foi ir à casa do sineiro da igreja e inventar uma história de que Amélia queria ser freira contra a vontade da mãe, e assim o pobre homem cedeu a casa para que o pároco a instruísse. Para os amigos o padre disse que Amélia ia ali para ensinar a ler a filha do sineiro, a paralítica. E assim os dois ficavam cinco minutos com a menina e depois iam para o quarto do sineiro, que se retirava da casa durante as lições, e se entregavam ao pecado da carne.

O arranjo ia bem, até que a paralitica Totó passou a odiar Amélia e a gritar “vão para o quarto como cães”, com essa a moça passou a viver em um tormento, acreditando no pecado e no abandono dos Santos. A situação ia de tal modo que D. Joaneira pediu ao cônego que fosse ver se a menina estava indemoniada. Então surgiu o primeiro problema, a paralítica contou ao padre que os dois subiam ao quarto e davam risadas e que se podia ouvir o ranger da cama.

O cônego naturalmente foi falar com Amaro, no entanto, ele quando morava na casa de D. Joaneira teve oportunidade de ver o cônego com a senhora e assim os dois, em um laço de camaradagem, se calaram. Chegavam até a se tratarem como sogro e genro!

Eis que o tempo passou e tudo ia bem, tirando as crises nervosas de Amélia. Porém a moça engravidou. Amaro logo procurou o cônego e a primeira coisa que se pensou foi em fazer a rapariga se casar com João Eduardo, inicialmente ela não gostou da idéia, mas só lhe restava aceitar. Dionísia, que sabia do caso e era cúmplice de Amaro, foi atrás do rapaz, mas para a infelicidade deles ele tinha ido ao Brasil.

Assim, o desespero voltou, mas logo uma nova idéia veio a eles. A irmã do cônego estava doente, talvez em seus últimos dias, porém o cônego queria ir ao mar, mas a irmã não podia e ele não podia deixá-la sozinha. Sendo assim, Amaro falou à moribunda que nos últimos dias de vida era bom fazer uma boa ação para alegrar a Deus e assim ser mais bem sucedida na eternidade, então lhe contou que Amélia estava grávida de um homem casado, chegou até insinuar quem seria o pai.

Resolveram ir todos para a praia, ficando a moribunda e Amélia como enfermeira, estas iam para Ricoça. Foi o que fizeram. Em Ricoça não passava gente e assim a menina teria o filho que depois seria entregue a uma ama e a moribunda a serviria de auxílio, afinal queria agradar o Senhor em seus últimos dias.

No entanto, a senhora era maligna com Amélia e ela ali vivia em uma grande solidão. Logo tinha por companhia apenas o abade Ferrão. A amizade deste trouxe à Amélia a visão que ele tinha de Deus, um pai amoroso e não o tirano que se imaginava, logo a menina se confessou ao abade e não queria mais viver o romance com Amaro. A reação dele, quando suas cartas pararam de serem respondidas, logo foi de estrema raiva, mas como teve com o cônego aprendeu que se fazer indiferente a ela iria trazê-la de volta, assim fez e o plano deu certo.

Nesses tempos João Eduardo tinha reaparecido e agora era mestre dos filhos do Morgadinho, outro que odiava o clero. Os planos do abade Ferrão era casar o rapaz com Amélia, e ela estava até animada com essa idéia, até reatar com Amaro.

Eis que chegou a hora do parto e como o doutor Goudinho acabara descobrindo a gravidez devido às visitas a moribunda, ele fez parto. Nasceu um menino e Amaro o levou para entregá-lo a ama, Carlota, no entanto ela carregava a fama de que matava as crianças que lhe eram entregues, mas Amaro entregou o filho a ela, porém deixou claro que o queria vivo.

Na mesma noite do nascimento, Amélia teve convulsões e Goudinho lutou durante toda a noite para manter a rapariga viva, por fim ela morreu.

Chegada a notícia, Amaro foi procurar seu filho, queria o entregar a outra ama e garantir a sobrevivência dele. Quando chegou era tarde, a criança estava morta. Amaro simplesmente voltou à paróquia, escreveu ao cônego falando da morte da menina e do filho e partiu pra Lisboa onde pretendia assumir nova igreja. Dionísia se ocupou em espalhar a causa da morte de Amélia.

Algum tempo depois, o cônego e Amaro se encontraram em Lisboa e juntos ficaram a conversar da excelência de Portugal juntamente com o conde que arranjara a paróquia de Leira a Amaro.

Por Rebeca Cabral