A agressão a Mateus e a desmilitarização da polícia
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No dia 28 de abril, uma tentativa de greve geral foi promovida por sindicalistas em várias cidades, em protesto contra a reforma trabalhista e da previdência. Em alguns estados, o protesto foi marcado pelo despreparo de policiais militares no controle das manifestações, deixando o tema das reformas em segundo plano.
Em Goiânia, Mateus Ferreira da Silva, estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), foi atingido na cabeça pelo cassetete do capitão Augusto Sampaio. A força do impacto foi tão grande que o cassetete chegou a quebrar. Mateus teve os ossos da face quebrados e, no momento, está internado em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Logo após a agressão, o Comando da PMGO afirmou que o estudante se feriu com uma pedra jogada pelos black blocks, versão que foi desmentida assim que os vídeos com a agressão do policial começaram a espalhar-se pelas redes sociais.
Nos vídeos, nota-se que em nenhum momento os manifestantes agrediram os policiais e que Mateus não estava entre aqueles que jogaram pedras em uma agência bancária. Mesmo se estivesse, nada justifica quebrar o cassetete na cabeça de uma pessoa, palavras do próprio Secretário de Segurança Pública de Goiás, Ricardo Balestreri: “Todo policial tem o conhecimento elementar de que para imobilizar alguém não pode atingir a cabeça ou os genitais. Aliás, qualquer pessoa adulta e racional tem esse conhecimento”. Destaque para a palavra “racional”.
Após repercussão nacional do caso, a PMGO decidiu afastar o capitão Augusto Sampaio das ruas. No entanto, a Associação dos Oficiais da Polícia e Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (Assof-GO) realizou um café da manhã em homenagem ao capitão Sampaio, em uma total demonstração de corporativismo e falta de respeito com o estado de saúde de Mateus.
Desmilitarização da polícia
Infelizmente, o que aconteceu em Goiânia não foi um fato isolado. É comum vermos nos noticiários e nas redes sociais casos de agressão policial e abuso de autoridade. Esses casos levantam a discussão sobre a desmilitarização da polícia (não confundir com desarmamento), ou seja, a polícia estadual deixa de receber formação militar, de estar subordinada à Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM), um órgão do Exército, e de ser submetida a Justiça Militar.
Em linhas gerais, com a desmilitarização a polícia estadual passa a receber uma formação civil, com respeito aos direitos humanos, e os casos de má conduta policial passariam a ser julgados pela Justiça Civil. Atualmente, os policiais militares são formados para uma guerra, tratando estudantes e professores manifestantes como tratam traficantes armados de fuzis, por exemplo. Não há preparo para lidar com civis.
A Polícia Militar é uma herança da ditadura. Ela foi criada para defender o interesse do Estado e não para garantir a segurança da população. As abordagens eram violentas e havia perseguição policial aos que opunham-se ao governo. Isso não mudou depois da ditadura e a Constituição de 1988 acabou por “oficializar” a separação entre polícia militar e civil.
A desmilitarização da polícia no Brasil já foi solicitada pelos países da Organização das Nações Unidas (ONU), em especial pela Dinamarca. Ela cita os grupos de extermínio formados por policiais, os quais foram chamados de “esquadrão da morte”, e os numerosos homicídios extrajudiciais.
Um dos mais famosos grupos de extermínio no Brasil envolvia a própria Polícia Militar de Goiás. Em 2011, a operação Sexto Mandamento, da Polícia Federal, prendeu 19 policiais militares de Goiás, incluindo o tenente-coronel Ricardo Rocha. Atualmente, o capitão Augusto Sampaio é subordinado ao Comando de Policiamento da Capital (CPC), cujo comandante é justamente Ricardo Rocha. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), o nomeou comandante mesmo após a operação da PF. Mais de 30 anos depois do fim da ditadura, a polícia militar continua sendo usada de acordo com o interesse do Estado.
Benefício aos policiais
Segundo a pesquisa "Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização da Segurança Pública, promovida em 2014 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, 77,2% dos policiais são a favor da desmilitarização da PM.
A desmilitarização da polícia é apoiada por policiais militares que reclamam da falta de democracia e liberdade de expressão nos quartéis. Pela legislação militar em vigor, uma ocorrência de farda mal ajeitada ou uma discussão por atraso são julgadas com o mesmo rigor de um homicídio doloso, com penas que podem chegar a um ano de prisão, por exemplo. Na teoria, a desmilitarização garantiria aos policiais o direito a manifestação e direitos trabalhistas iguais aos dos demais trabalhadores.
Nossos policiais devem ser valorizados, receber bons salários e formação humanizada e específica para lidar com os diversos problemas de segurança de uma cidade. Se continuar do jeito que está, policiais e civis vão continuar morrendo em uma guerra estúpida e que ninguém vai sair vencedor.