Contos Novos

Por Marina Cabral da Silva

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Vestida de Preto

O conto inicia-se com indagações de Juca sobre seus primeiros amores e, em especial, o amor dedicado à sua prima, Maria. Um beijo interrompido pelo olhar repressor de Tia Velha foi a única coisa que ocorreu entre ambos. Passados alguns anos, o desinteresse de Juca em relação aos estudos implicou no desprezo de Maria em relação a ele. Esse desprezo de Maria despertou em Juca uma curiosa busca pelo conhecimento, e tornou-se estudiosíssimo. Maria, no entanto, muito namoradeira, acabou casando-se com um diplomata rico e partiu em busca de uma embaixada europeia.

Uma declaração da mãe de Maria fez Juca reconhecer que seu grande amor sempre fora a prima. Toda a busca enraivecida de Juca pelo conhecimento e todas as inquietações e incoerências de sua prima em relação aos seus vários relacionamentos apenas refletiam o amor de um pelo o outro. Diante disso, Juca decidiu falar com Maria, que já havia retornado ao Brasil. Porém, ao encontrá-la vestida de preto, Juca apenas conseguiu dizer um boa-noite indiferente e esta foi a última vez em que a viu. O que Juca soube de Maria, a partir de então, é que esta teria voltado à Europa e vivia com um austríaco interessado em feiras internacionais.

O Ladrão

Um rapaz descendo a rua, gritando “Pega!”, foi o motivo necessário para acordar o bairro e levantar um grupo de voluntários na perseguição de um possível bandido fugitivo. Ninguém sabia quem ele era e nem o que havia feito. Pouco a pouco, os moradores do bairro acordavam, as luzes das janelas se acendiam e o grupo de perseguidores só aumentava. O sentimento de susto e agitação que se instaurou no bairro terminou em um ar de festa. Surgiu uma vontade de conversar, contar casos e os moradores acabaram se conformando com a certa fuga do bandido e a ausência de perigo. Grupos se formaram, um rapaz tocava uma valsa no violino, a chegada da mulher do português gerou declarações do guarda e despertou falsas esperanças em outros rapazes. O fim da noite acabou trazendo de volta a rotina do bairro. Os moradores foram um a um voltando a suas casas, o guarda retornou ao seu posto, a valsa acabou, as janelas se fecharam e só restou um grupo de três pessoas reunidas no lugar onde se passa o bonde.


Primeiro de Maio

Era Primeiro de Maio e 35, carregador da Estação da Luz, acordou, tomou banho e barbeou-se para celebrar de forma digna o seu grande dia. 35, enquanto se barbeava, matutava sobre a condição de opressão da classe proletária, sobre os rumores dos “motins” que poderiam se instaurar no Primeiro de Maio em outras grandes cidades e se compadecia de seus iguais, trabalhadores. Vestido com uma roupa preta de luxo, 35 saiu para aproveitar o seu grande dia. Decidiu percorrer a cidade, passou na Estação da Luz para cumprimentar os amigos. Havia pouca gente nas ruas, tudo fechado, o que havia de fato eram policiais em todos os cantos.

Sentado em um banco de jardim, 35 abriu o jornal e leu comovido um artigo sobre a nobreza do trabalho, depois viu as notícias sobre os esperados “motins” em Paris, as providências da polícia para conter comícios e passeatas em São Paulo e sobre a grande reunião proletária no Palácio das Indústrias, um lugar fechado. 35 ficou angustiado só de pensar no que poderia acontecer aos proletários naquele lugar. Continuou lendo o jornal e informou-se sobre a chegada dos deputados trabalhistas na Estação do Norte e, mesmo receoso de chegar atrasado, decidiu ir até lá para receber os grandes homens. Para sua surpresa, não havia nenhuma multidão, tudo estava normal. Tomado de um sentimento de ilusão e remorso que se confundia com fome, 35 decidiu voltar a pé para casa.

Não eram 13 horas e 35 já estava à vista do Palácio das Indústrias. Viam-se dezenas de operários e policiais por toda parte. 35 encontrou um amigo, 486, que também havia dado um jeito de não trabalhar naquele dia. As histórias de 486 sobre massacres horrendos a proletários só aumentaram o medo e a covardia de 35. Mesmo diante do sentimento de fraternidade em relação aos demais proletários, quanto à celebração do Primeiro de Maio, 35 teve pânico ao pensar em entrar naquele lugar fechado e cheio de policiais. Tomou o bonde e nem se despediu de 486. Ao final do dia, 35 decidiu voltar à Estação da Luz que era o seu domínio. Entrou num café, comeu um pão com manteiga, comprou uma maçã e voltou aos seus companheiros carregadores.


Atrás da Catedral de Ruão

Este conto, narrado em terceira pessoa, conta a história de Mademoiselle, uma professora de francês e preceptora de duas meninas, Alba e Lúcia. Aos seus quarenta e três anos de idade, Mademoiselle, virgem, estava acometida do mal do sexo e cercada de devaneios e anseios. As meninas, já quase moças, dividiam com a professora diversas experiências, curiosidades e histórias. Alba e Lúcia moraram muito tempo na Europa, falavam inglês, alemão e um francês mais moderno que o de Mademoiselle. Numa noite, quando a professora voltava para casa, passou atrás da Catedral de Ruão. Dois homens começaram a persegui-la, Mademoiselle apressou o passo até avistar a porta iluminada da pensão onde morava, ao chegar, passou por um tiroteio de espirros. Os perseguidores se aproximaram, Mademoiselle pagou a cada homem com um níquel e subiu, chorando, as escadas da pensão.

 


O Poço

Joaquim Prestes era um rico fazendeiro já endurecido pelos seus setenta e cinco anos. Era caprichosíssimo em tudo o que fazia. Na região onde vivia, fora o introdutor do automóvel, o primeiro a criar abelhas e o primeiro a adquirir terrenos para obter pesqueiros. A falta de água na casa de seu pesqueiro fez com que Joaquim decidisse abrir um poço. Os camaradas da fazenda ficaram responsáveis por perfurá-lo, já que para ele não havia necessidade de contratar alguém para fazer o serviço.
Porém, chuvas e um frio terrível impediram o andamento do trabalho. Joaquim, ao saber que o poço já minava água, resolveu acompanhar os primeiros resultados do trabalho. Ao olhar o poço, deixou cair sua caneta-tinteiro. As péssimas condições climáticas não impediram que Joaquim Prestes ordenasse aos trabalhadores que fizessem de tudo para retirar sua caneta de dentro do poço. Albino, mesmo com sérios problemas de saúde, era o que mais se subordinava à triste situação. O vento soprava forte, era um 'vai e vem' de caçambas com água, um frio terrível dentro do poço. Albino já esmorecendo, os operários indignados, a situação tornou-se insustentável. Joaquim decidiu que chamaria alguém para terminar o trabalho no outro dia. Todos ficaram aliviados. Dois dias depois, chegou o embrulho com a caneta à casa de Joaquim. A caneta estava cheia de areia e arranhada. Joaquim reclamou e abriu a gaveta que guardava lapiseiras e três canetas-tinteiro.

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Peru de Natal

O primeiro natal em família depois da morte do pai ocorreu embasado em uma ideia maluca de Juca. A natureza cinzenta do falecido pai nunca permitiu grandes comemorações em família, porém Juca estava decidido a espantar as lembranças dolorosas. Naquele natal, ele queria comer peru. Todos ficaram alegres com a proposta, fizeram todos os preparativos e, após a Missa do Galo, se reuniram para comemorar aquele natal. Toda a ocasião trouxe ao coração de Juca uma ternura e um amor em família transbordantes. Porém, a emoção da mãe trouxe de volta as lembranças do pai. Juca, decidido a salvar aquele natal, num ato heroico, disse que o pai deveria estar feliz com aquela noite, já que ele sempre havia trabalhado tanto para vê-los contentes. A imagem do pai foi diminuindo e as lembranças pesadas desaparecendo. Quando levantaram da mesa, já havia se passado horas. Alegres e bambeados por causa da cerveja, foram deitar preenchidos de uma insônia feliz.


Frederico Paciência

Este conto narrado em primeira pessoa traz a história da amizade ambígua entre Juca e Frederico Paciência. Os meninos se conheceram no ginásio. A perfeição moral e física de Frederico despertavam em Juca sentimentos que se confundiam entre a inveja e a amizade; a cumplicidade e o encanto. O forte laço entre os garotos acabou despertando boatos na escola, que desencadearam socos e golpes aos donos dos insultos. Frederico e Juca a cada dia ficavam mais unidos, trocavam abraços, as mãos permaneciam unidas, confessavam uma amizade eterna. Porém, a formatura no ginásio iniciou um processo de afastamento entre os garotos. Frederico, sempre muito estudioso, pretendia fazer medicina. Juca se encantava com os bailes e as amizades. A morte do pai de Frederico trouxe à tona tudo o que os meninos tentavam disfarçar e apaziguar entre eles. Frederico acabou se mudando com a mãe, que também veio a falecer, para o Rio. Juca e Frederico trocaram algumas cartas, mas acabaram perdendo o contato.


Nelson

A curiosidade de quatro rapazes num bar movimentaram as histórias daquela noite. Todos queriam saber quem era e de onde teria vindo o homem que se sentou sozinho em outra mesa. Alfredo, um dos rapazes, sabia que o homem tinha terras no Mato Grosso e havia sido deixado pela esposa paraguaia. Outro rapaz conhecia a origem da cicatriz medonha que marcava o braço do homem, adquirida num confronto entre revolucionários da Coluna Prestes e militantes do exército inimigo. Numa tentativa de fuga e após matar um dos militantes, o homem teria sido atacado por piranhas. O homem, incomodado ao perceber que o observavam e falavam dele, bebeu seu último copo e retirou-se do bar.


Tempo de Camisolinha

Uma das recordações mais antigas do menino era a tristeza que o acometeu quando seus cabelos negros que caíam pelo ombro foram cortados. O pai ordenou o corte e a mãe consentiu. Para o pai, o menino já estava crescido e o cabelo longo já não mais servia. O que lhe restou foram as camisolinhas que seriam usadas até acabar. O nascimento da irmã e as complicações do parto da mãe levaram toda a família a viajar de férias. Ficaram dois meses num casarão próximo à praia. Os banhos de mar fizeram bem à mãe, no entanto, o menino, tomado de pavor do mar, não entrava na água de jeito nenhum. Preferia ficar sozinho no terreno da casa ou junto dos operários que trabalhavam por ali. O pai não via com bons olhos a atitude do menino, mas a mãe sempre intervinha. Certo dia, um operário deu ao menino três estrelas-do-mar, afirmando que estas garantiriam boa sorte. O menino, mais zeloso impossível, cuidou e amou estas estrelas. Um dia, cansado de olhar as estrelas, o menino foi brincar perto dos operários. Um dos operários que estava assentado sozinho numa melancolia e solidão sem fim incomodou o menino, que foi perguntar o que ele tinha. O operário respondeu que tinha má sorte. Comovido e tomado de tristeza, o menino deu ao operário a maior de suas estrelas para devolver a boa sorte ao homem, e retornou correndo para casa lamentando a perda de sua estrela.


Por Natália Lemes