Em terra de cego, quem tem um olho é rei. A expressão popular poderia ser bem projetada para isto: Em tempos de superficialidade, quem tem um amigo é privilegiado. Convivemos tanto com a fragilidade nas relações interpessoais, causada principalmente pela frieza das redes sociais, que nem nos damos conta de como as amizades surgem e, principalmente, como elas permanecem.
Tudo é muito superficial. O convívio virtual há tempos se sobrepôs ao olho no olho e à boa conversa. Claro que nem tudo são espinhos. As redes sociais, quando bem interpretadas, convertem distância em proximidade e, não raro, dão praticidade à correria do dia a dia. O problema mesmo são as pessoas, que confundem amizade com 'seguidores'.
Antigamente, fazer um amigo partia de vários encontros e bons diálogos. Com o tempo, o laço virava um nó e conflitos e desentendimentos eram resolvidos, afinal, quem quer perder um amigo? Hoje, a amizade nasce de maneira confortável, preguiçosa, desinteressante: no canto superior direito da tela do computador. E, se por a caso, houver algum problema, resolvê-lo é ainda mais fácil. Um clique em 'Desfazer Amizade' e pronto.
Desfazer Amizade? Assim, tão fácil? É engraçado pensar que amigos agem assim, que a amizade acaba com um clique, com fotos e lembranças 'deletadas'. Agora, em vez de 500 amigos você terá 499. Mas não importa, pois em questão de minutos ele será substituído. As pessoas querem ser práticas, rápidas, até onde não precisa ser. Desvincular-se de alguém na vida real ou contornar uma situação é sempre um evento traumático. A sedução das conexões online é exatamente a facilidade de desconectar, de não pertencer mais. Esse tipo de praticidade, no entanto, deveria ser abominável, pois aí nunca houve amizade.
Obviamente, você nunca terá 500 amigos, pelo menos não reais e confidentes, e talvez isso explique a falta de interação pessoal. Há pessoas que mantiveram contato com você há anos e as redes sociais as trouxeram de volta. Estão ali, para que em algum momento de distração rolando o dedo/mouse pela tela possam ser lembradas. O problema é outro.
Parece que as pessoas perderam o interesse pela verdadeira amizade e não fazem mais questão de mantê-la viva, real. A falta de disponibilidade para a amizade verdadeira é tamanha que torna-se visível a resistência para continuar uma conversa que mal teve um início. É tudo muito líquido, e de amizade duradoura a relação passa a ser mero produto descartável.
As novas tecnologias trouxeram algo bom, mas ao mesmo tempo tornaram as pessoas menos sociáveis e menos verdadeiras. A partir dessas observações, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman define o que ele chama de “Modernidade Líquida”, certa vez em um diálogo: "Um viciado em Facebook gabou-se de que havia feito 500 amizades em um só dia. Minha resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Então, provavelmente, quando ele diz amigo e eu digo amigo não queremos dizer a mesma coisa". Em tempos de superficialidade, quem tem um amigo é privilegiado.
Carolina Simiema