Castro Alves
Antônio Frederico de Castro Alves é considerado o fundador da poesia engajada na literatura brasileira. Seus versos anunciaram o fim da escravidão e o início da República.
Por Marla RodriguesAmar e ser amado
Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento:
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano —,
Beijar teus dedos em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante — amado —
Como um anjo feliz... que pensamento!?
O poema que abre este artigo é de autoria de Castro Alves, um dos mais importantes poetas do século XIX. Apesar do distanciamento temporal, Castro Alves está perpetuado em nossa literatura brasileira, sendo leitura obrigatória para quem tem interesse na história de nossas letras. Amar e ser amado faz parte da poesia romântica do escritor, que, embora tenha produzido muitos poemas românticos, ficou mais conhecido por ser o principal representante do Condoreirismo, movimento que assumiu feições abolicionistas e republicanas em nossa literatura.
Antônio Frederico Castro Alves nasceu em Muritiba, Bahia, no dia 14 de março de 1847. Seu pai, Antônio José Alves, era médico e professor da Faculdade de Medicina de Salvador; sua mãe, Clélia Brasília da Silva Castro, faleceu quando o poeta tinha apenas 12 anos de idade. Mudou-se com a família para a capital, Salvador, onde estudou no colégio de Abílio César Borges, tendo como colega Rui Barbosa, um dos intelectuais mais brilhantes de seu tempo. Em 1862, transferiu-se para o Recife, onde ingressou na faculdade de Direito no ano de 1864. Nessa época já demonstrava grande interesse pela literatura, sobretudo pela poesia, paixão que deixou os estudos relegados a segundo plano.
Monumento dedicado ao poeta, localizado na Praça Castro Alves, na cidade de Salvador, Bahia
Após perder o pai em 1866, conheceu a atriz portuguesa Eugênia Câmara, com quem teve um dos romances mais conhecidos de nossa literatura. A paixão pela atriz dez anos mais velha foi muito importante para a construção de sua lírica, caracterizada pela ruptura com a poesia romântica das gerações anteriores, tão marcada pela idealização amorosa e pelo nacionalismo ufanista. Também nessa época interessou-se pela poesia social, fato que lhe rendeu a alcunha de “Poeta dos escravos”, sendo considerado a principal expressão condoreira da literatura brasileira.
A atriz Eugênia Câmara
No dia seguinte ao de uma vaia
sofrida no Teatro Santa Isabel, no
Recife
HOJE ESTAMOS unidos a adorar-te
Tu és a nossa glória, a nossa fé,
Gravitar para ti é levantar-se,
Cair-te às plantas é ficar de pé!...
Ontem a infâmia te cobria de lama
Mas pra insultar-te se cobriu de pó! ...
Miseráveis que ferem a fraqueza
De uma pobre mulher inerme, só!
Tu és tão grande como é grande o gênio
És tão brilhante como a própria luz,
Dentre os infames do calvário d'arte,
Tu foste o Cristo, foi o palco a cruz! ...
Mas estamos unidos a adorar-te!
Tu és a nossa glória, a nossa fé!
Gravitar para ti é levantar-se,
Cair-te às plantas é ficar de pé!
Em 1869, já abatido pelo rompimento com a atriz Eugênia Câmara, feriu-se com um tiro acidental de espingarda durante uma caçada, evento que culminou com a amputação de seu pé esquerdo. A saúde, que já era frágil, ficou definitivamente comprometida e, para cuidar da tuberculose, regressou para a Bahia, onde produziu seus mais belos versos, inspirado por um amor platônico pela cantora italiana Agnese Trinci Murri. Em 1870, foi editada sua obra-prima, o livro Espumas flutuantes, o único publicado enquanto o poeta estava vivo. Faleceu ainda jovem, aos 24 anos, no dia 6 de julho de 1871, sem ter finalizado o poema Os escravos, série de poesias sobre a escravidão.
A poesia de Castro Alves assumiu duas facetas distintas: a feição lírico-amorosa, distante da proposta dos poetas ultrarromânticos por ser permeada por forte sensualidade, e a feição social e humanitária, tendo anunciado em sua poesia a Abolição e a República, ressaltando as mazelas da pátria ao denunciar a escravidão dos negros, a opressão e a ignorância do povo brasileiro. Por ter utilizado a literatura como instrumento de denúncia, colocando-a a serviço de uma causa político-ideológica, foi considerado o fundador da poesia engajada, caminhos que outros poetas, como Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar e Thiago de Melo, trilharam posteriormente em nossa literatura brasileira.
Por Luana Castro
Graduada em Letras