A legitimidade do tema*

A justiça julgou constitucionais os programas de reserva de vagas
*Com a colaboração de Pedro Balby e atualizado por Jéssica Gonçalves

Ao falar sobre as contradições a respeito das ações afirmativas nas universidades, não podemos deixar de discutir a legalidade das mesmas. Os radicais afirmam que o programa de cotas é ilegal e que fere o artigo 5º da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Um dos princípios do direito é a equidade, no qual uma ideia imutável de justiça pode levar o juiz a valer-se de um critério de moderação e humanidade, ainda que em detrimento da aplicação do direito objetivo. Nestes termos pode-se compreender que é legal privilegiar etnias, desde que haja um histórico de discriminação. Desta maneira, as ações afirmativas seriam válidas para corrigir situações de desigualdade.

Sendo assim, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a reserva de vagas pelo sistema de cotas. A decisão foi tomada em uma votação, presidida pelo ministro Ricardo Lewandowski, por unanimidade. Os ministros consideraram que as cotas não ferem à Constituição Brasileira, uma vez que foram criadas com propósito de assegurar o desenvolvimento de grupos de indivíduos prejudicados ao longo da história, garantindo-lhes assim condições de igualdade perante a sociedade. 

O professor de direito internacional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Welber Barra, afirma que uma determinada medida só será justa se atender pelo menos um dos seguintes princípios: o da equidade, segundo o qual deve-se dar a cada um o que é seu, ou o princípio da justiça compensatória, que busca corrigir danos causados a alguém ou o princípio da reciprocidade, no qual deve-se devolver os atos realizados em favor de alguém. 

No caso específico das cotas para negros, ele entende se enquadrar no princípio da justiça compensatória. Para ele, a escravidão e o preconceito são fatores que sempre colocaram os negros em posição de desigualdade na sociedade, e o princípio da justiça compensatória é o que legitima esse “favorecimento” aos negros através das cotas. Isto seria uma forma de “indenizá-los” pelas injustiças sofridas ao longo dos séculos.

Barra alerta para um fator importante: a justiça compensatória só se justifica e legitima desde que a compensação oferecida – no caso, as cotas – altere, de fato, a situação que se pretende modificar. Assim sendo, esta compensação tem de ser na medida exata para equilibrar as partes, ou seja, a que recebe a compensação (os negros) e a aquela a que se buscou equiparar (os brancos). 

Resumindo: brancos e negros têm de ficar iguais sem exagero em nenhuma das partes, sob pena de desigualarem-se novamente. Por esse motivo, na visão do professor, somente assim haveria justiça na adoção das cotas.

Apesar de toda a discussão jurídica sobre este assunto, a autonomia universitária ainda é uma prerrogativa assegurada pela Constituição no artigo 207 onde diz que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.” Isto dá à instituição a liberdade de gerir suas próprias regras, incluindo a criação das cotas.