Urupês

Por Marla Rodrigues

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Os faroleiros é um conto que narra a história de Eduardo, que viveu em um farol por alguns dias e nesse tempo testemunhou uma tragédia. Depois de ler um livro – O perturbador do tráfego – ficou curioso da vida em um farol e assim conheceu Gerebita, o faroleiro de Albatrozes. Através do dinheiro conseguiu passar uma temporada no farol, lá Gerebita lhe falou sobre o ajudante que tinha, Cabrea, o único homem que não podia ter sido escolhido para esse cargo. Ao falar de Cabrea, Gerebita acabou fazendo Eduardo acreditar que o homem era louco. E assim em uma noite ele acordou com barulhos de luta e testemunhou Gerebita matando Cabrea. A resposta do crime foi legítima defesa e o corpo foi entregue ao mar. Eduardo jurou segredo, mas saindo do farol contou o caso e veio descobrir que entre os faroleiros havia uma rixa porque Cabrea fugiu com a mulher de Gerebita.

O engraçado arrependido conta a história do chamado Pontes. Desde sempre ele fazia todos rirem absurdamente. Era considerado o homem mais engraçado das redondezas, mas com o passar dos anos ele se cansou de levar esse título. Decidiu se tornar um homem sério e a sua seriedade só lhe deixou mais engraçado – na opinião alheia. Ele tentou procurar emprego, mas todos achavam que ele estava era fazendo mais uma grande piada. Pensou então no Estado, ali o aceitariam. Queria a coletoria federal, cargo do major Bentes. O homem sofria de um aneurisma e podia morrer a qualquer momento, deixando a vaga. Pontes contava com um parente do Rio de Janeiro que lhe garantiria a vaga assim que ela estivesse disponível e, para isso, Pontes só teria que avisá-lo quando o major viesse a falecer. Mas Bentes se fazia forte e assim Pontes estudou tudo que existia sobre aneurisma e chegou à conclusão de que um grande esforço poderia matar o homem. Em seguida se aproximou dele e se tornou homem de sua amizade. Pontes acreditava que rir bastante era um esforço fatal ao major e assim descobriu o que lhe faria rir e trabalhou na melhor piada de todas. Em um jantar, deu seu golpe fatal: Bentes explodiu em uma última gargalhada. Pontes, então, tomado de culpa, correu para casa onde se escondeu por uns dias. Quando saiu da sua reclusa, recebeu uma carta do parente carioca que lhe dizia que o cargo havia sido ocupado, pois ele demorara a saber da morte do major. Alguns dias depois, o povo ria de Pontes, que se enforcara em uma ceroula.

A colcha de retalhos conta a história de uma família. José da Alvorada era o patriarca e há pouco recebera a visita de um amigo. Este encontrou, no rancho da família, o amigo José, naturalmente, a sua esposa Ana, a filha Maria das Dores e a sogra Joaquina. D. Ana na época já aparentava mais idade do que tinha e era atormentada por varias doencinhas. Maria das Dores era uma menina tímida e calada e Joaquina nos seus setenta anos ainda era animada e disposta. Ela costurava uma colcha de retalhos que daria à neta como presente de noivado, os retalhos que compunham a colcha eram todos pedacinhos dos vestidos que a menina usara ao longo da vida. O amigo foi ali para propor um negocio a José, mas este não se animou e, por isso, acabou indo embora. Dois anos se passaram e D. Ana morreu, e corria um boato que Maria das Dores fugira com um rapaz para a cidade, não pra se casar, mas para “ser moça”. Em uma noite, o amigo da família Alvorada sentiu que deveria ir até o rancho. Foi e lá encontrou Joaquina, já bastante envelhecida, que lhe contou a tristeza de ter perdido suas filha e neta. Ao ver a colcha de retalhos, ela lhe contou o que cada um daqueles pedacinhos representava e disse que seu último desejo era ser enterrada com a colcha. O amigo foi embora e depois ficou sabendo que a velha morrera e seu desejo não fora cumprido.

A vingança da peroba fala da briga entre duas famílias, a dos Nunes e a dos Porungas. A primeira família era composta mais por mulheres, só viera apenas um menino que, por influência do pai bêbado, começou logo logo a beber, a fumar e a bater nas mulheres; a terra não tinha selo e cultivo nenhum. Os Porungas, por sua vez, tinham um rancho bem cuidado, animais gordos e faziam até mesmo uma boa colheita. Chegou um dia em que Nunes decidiu reagir e enriquecer suas terras também. Plantou milho e precisava de um monjolo e por isso derrubou uma peroba que ficava na linha das terras entre os Nunes e os Porungas. Na manhã seguinte à derrubada da árvore, os Porungas vieram reclamar, falando que a árvore também lhes pertencia já que ficava no meio da linha de divisa. Nunes respondeu que se metade era dele, ele ia usar sua metade. Construiu o monjolo, o ajudante lhe disse que havia lendas de que as árvores têm alma e se vingavam daqueles que as derrubavam. Com o monjolo pronto, Nunes sonhava com a prosperidade que o milho lhe traria, mas a ferramenta não prestou como deveria. Ele até tentou arrumá-la, mas nada se deu. Logo ele virou motivo de riso entre o povo, porque um dos Porungas veio espiar o monjolo e contou a todos a porcaria que era. Foi assim que Nunes se pôs a beber com o filho. Mais tarde, entre os gritos das mulheres, encontrou a cabeça do menino separada do corpo graças ao monjolo.

Um suplício moderno conta o caso de Biriba. O governo da época tinha um cargo chamado estafetamento e tratava-se de uma espécie de pombo-correio que devia fazer a correspondência entre duas cidades que não eram ligadas pela via férrea. Biriba tinha se dado mal em todos os seus negócios, era lerdo e acabou por perder a fazenda e fechar o botequim. Sua vida se resumia a arrumar o seu topete e se interessar por política. O partido que defendia dava a ele sempre os piores ofícios como barganha pelo baixo número de votos que recebia. Quando o seu partido ganhou as eleições, Biriba experimentou o sabor da vitória e já sonhava com altos cargos quando a ele sobrou o de estafeto. Nada pior: quem ficava com esse cargo vivia na estrada, nunca chegava porque sempre havia a volta e a jornada seguinte e ainda tinha que enfrentar sol e chuva com folga de um único dia nos meses ímpares. Biriba, que só respondia “sim senhor”, seguiu no cargo, mesmo emagrecendo e empalidecendo. Reclamou e nem demissão conseguiu. Por fim nasceu nele a idéia de trair o partido. Nas eleições seguintes, ficou encarregado de levar um “papel”, algo essencial. Na ida se meteu no mato e ficou na casa de um negro por dez dias; quando voltou seu partido tinha perdido e ele, quando questionado do que ocorrera, dizia não entender, pois havia entregado o papel no dia seguinte à sua partida. No novo governo vieram lhe comunicar que todos foram demitidos, mas o cargo dele seria sempre dele. À noite, Biriba amarrou a égua e sumiu.

Meu conto de Maupassant conta a história de dois viajantes. Os dois conversavam no trem até que um avistou uma árvore e contou uma história ao colega de quando era delegado ali na região. Ele dizia que vieram lhe contar que um tal italiano que ali vivia, do tipo ruim, bêbado e jogador, tinha matado uma velha com uma foice, separando-lhe a cabeça e o corpo que se encontravam ali ao pé da árvore. Ele prendeu o italiano e tudo levava a acreditar que ele era o culpado, mas no dia seguinte já estava solto. Mesmo assim ele continuou de olho no italiano que vendeu seus negócios e foi embora. Anos mais tarde o caso ressurgiu e prenderam o tal, ele voltou sem objeções e olhava o tempo inteiro pela janela. Quando passou por aquela árvore, pulou fora do trem e depois encontraram-no com a cabeça rachada nos pés da mesma árvore. Um tempo depois, o filho da velha morta foi preso por matar um companheiro com a foice e, estando preso, confessou ter matado a mãe.

Pollice Verso fala da história de Nico, filho do coronel Inácio Gama. O coronel era metido em leituras e usava sempre entre suas frases palavras complicadas. Certa vez, vendo o filho maltratar os animais, disse que o menino daria para médico e assim o fez. Quando homem, Nico saiu da fazenda e foi para a cidade, onde se formou em Medicina. Lá também entrou nos amores com uma francesa, Yvonne, que já tinha prometido a mais oito homens o seu coração, e a cada um indicara uma constelação para lembrarem-se dela. Depois disso, Nico voltou às terras do pai. Passava todo o tempo farto da vida no interior lembrando-se dos amigos, amores e farras da cidade. Olhava para as estrelas e lembrava-se de Yvonne e sonhava em ir a Paris ter com ela. Nesse ponto que adoeceu o Major Mendanha, que tinha trinta contos. Chamaram o Nico para tratar dele, o menino diagnosticou a doença e declarou a cura em um mês. Porém era costume naquela época dar a herança ao médico que tratava o doente caso ele morresse. Assim Nico, que sonhava com o dinheiro fácil – motivo pelo qual fez medicina – para ir a Paris ter com Yvonne, optou por deixar morrer o major. Entrou na justiça e ganhou os trinta contos. Foi para a Europa ter com sua amada. Escrevia pro pai dizendo ter palestras com ilustres médicos e ser residente em três hospitais, mas a verdade é que os três hospitais eram os três cabarés que freqüentava quando não estava no apartamento de Yvonne. No Brasil, ficava o coronel iludido e a mãe já era morta mesmo.

Bucólica – ele era um amante da natureza, gostava das flores... Era sensível. Ficou sabendo que a Anica tinha morrido, perguntava do quê, mas ninguém sabia responder. Tinha morrido. Só isso podiam e sabiam dizer. Finalmente encontrou Inácia, uma agregada da casa dos Suãs – família da menina – essa saberia do que a menina tinha morrido. A negra contou. A menina tinha morrido de sede! Era aleijada, estava doente e então Inácia foi ao bairro do Libório, mas começou a chover e ela ficou presa por lá. À noite, Anica pediu água para a mãe, mas ela não buscou e a pobre, já sofrendo na cama, ficou a gemer com sede. Encontraram o corpo dela na cozinha, aos pés do pote de água. Não conseguiu nem alcançar o pote, a caneca estava como antes, toda a cozinha estava como antes, exceto pelo corpo da aleijada que se arrastou até lá para morrer de sede tão perto da água.

O mata-pau – o capataz e ele estavam andando pelas terras quando pararam para beber água. Ali ele avistou uma árvore e perguntou que tipo de planta era aquela. O capataz explicou que era um mata-pau, uma árvore que parasitava na outra até matá-la. Seguiram o caminho até que passaram por uma casinha, o antigo sítio do Elesbão. O capataz, então, foi contar a história do sítio. Elesbão vivia ali com o pai, quando entrou na puberdade disse que queria casar e o pai, crendo que o rapaz era homem, falou-lhe que escolhesse a noiva. Ele casou se com Rosinha, era feia e as moças da família tinham má fama, mas mesmo assim casou-se. Viviam bem no sítio e a moça acabara ficando bonita, engordara e era uma das mais belas da redondeza. Foi quando ouviram o choro de uma criança lá fora. No dia seguinte encontraram o bebê e resolveram criá-lo. Chamava-se Manuel Aparecido. Conheciam-no por Ruço e, à medida que crescia, ia mostrando que não era bom rapaz. Elesbão reclamou com o pai que se arrependera de ter acolhido o bebê. O pai morreu. Viviam só os três agora, e Ruço já chegava aos dezoito anos quando ele e Rosinha começaram um caso. Na rua comentavam, falaram pra Elesbão abrir os olhos, mas ele acabou morrendo sem nada saber. Neste tempo Rosinha envelhecera muito mais do que a quantia de anos passados e ela amava Ruço mais do que ele a ela. Ele a maltratava, mas mesmo assim, como última prova de amor, ela fez a vontade dele e vendeu as terras do sítio, iriam embora. Na noite antes da partida, Rosinha acordou com a casa pegando fogo, ela estava sozinha e trancada, mas conseguiu escapar. Amanheceu no mesmo lugar onde encontrara Ruço quando ainda era um bebê. Levaram-na para o hospital, as queimaduras curaram, o juízo se perdeu. Mas ainda foi feliz, pois quando sua vida iria virar um inferno, enlouqueceu.

Bocatorta conta a história de um negro horroroso, com a boca torta e a gengiva parecendo uma ferida com pedaços de dentes, pernas tortas e pés desalinhados. Ele morava no mato da fazenda do coronel Zé Lucas. Vargas, que contava do tal negro a Eduardo, era noivo de Cristina, a filha do coronel. O doutor ficou interessado pelo negro e quis conhecê-lo, assim, no dia seguinte iriam visitá-lo. Cristina não se animou com a visita, pois quando criança metiam medo nela usando a imagem do Bocatorta e até pouco tempo tinha pesadelos em que o negro a perseguia. Eduardo, então, incentivou-a a acompanhá-los, porque nada melhor que a realidade para curar os enganos da imaginação. No jantar falaram sobre um caso que corria na cidade: no túmulo da Luizinha, moça morta recentemente, foi encontrado a terra fuçada e pegadas estranhas a humanos e a animais. E dessa vez o padre tinha visto também, não só o coveiro. Na manhã seguinte, todos foram ver o Bocatorta. Cristina fez todo o caminho calada e temerosa. Quando chegaram à tapera, o negro saiu da porta que mal passaria um homem rastejando e ficou ali no cercado junto com seu cachorro magro e sarnento. Cristina e sua mãe, d. Ana, se afastaram de imediato e evitaram olhá-lo. Eduardo, após ver o monstro, se afastou também. Logo estavam de volta. No dia seguinte, Cristina amanheceu febril, foi diagnosticada a pneumonia e no décimo dia ela morreu. Eduardo, na noite da morte de Cristina foi visitar o túmulo de sua ex-noiva. Andando pelo cemitério à procura do túmulo dela, deparou-se com um corpo alvo agarrado por um outro, negro como carvão. Eduardo saiu correndo e só parou quando chegou à casa do coronel. Contou que mexiam no túmulo de Cristina, o que fez sairem o coronel, o capataz e Eduardo. O último ficou no meio do caminho desmaiado. O coronel e o capataz foram atrás do necrófilo Bocatorta e quando já o tinham preso, chamaram Eduardo. Iam matar com um tiro o negro, mas Eduardo deu uma sugestão melhor. Jogaram-no pântano que tinha na fazenda, tão profundo que era preciso três bambus amarrados um no outro para alcançar seu fundo. No dia seguinte o cachorro do Bocatorta chorava ao lado do pântano e o corpo de Cristina estava de novo enterrado levando o beijo do negro consigo. O único beijo que ele já experimentara.

O comprador de fazendas conta uma história ocorrida na chamada fazenda do Espigão, tida como a pior fazenda que já existiu. Já tinha falido três donos e agora levava mais um para a bancarrota, chamava-se Davi. Já perdido em dívidas, ia vender a fazenda. Veio para olhar as terras um tal de Pedro Trancoso, preparam tudo para convencê-lo de que era uma boa terra. Quando o rapaz chegou, achou toda a fazenda muito boa e aceitou o preço que foi proposto, sem levar os animais nem a mobília. Partiu no outro dia levando alguns ovos e a barriga cheia de bolinhos, frango e manteiga. Tudo arranjado para a visita dele. Voltaria na semana seguinte para fechar o negócio. Assim, no coração da família nasciam os sonhos. A mãe, Isaura, já sonhava com uma bela e grande casa; Zico, o filho, já tinha garantido com o pai seis contos para começar seu armazém e Zilda, a filha romântica, sonhava com o casamento com o tal do Pedro Trancoso que ficara cheio de galanteios para com ela. Acontece que os dias passaram e ele não voltou. Davi escreveu a um parente que era da mesma cidade do comprador e este contou-lhe que a verdade é que ele não passava de um picareta que dizia-se interessado pelas fazendas em todo o país para se aproveitar da hospitalidade dos donos das terras. Assim os sonhos da família ruíram. Um tempo depois, Pedro Trancoso voltou ao Espigão. Ele havia ganhado na loteria e queria casar com Zilda, dando ao sogro o posto de organizador das terras do Espigão, as quais iria comprar. Mas quando se aproximou da fazenda, foi recebido com lambadas e posto dali pra fora sem nada dizer. A pobre da Zilda ficou na janela vendo as esperanças que tinham lhe nascido com a volta dele morrerem. Depois com o tempo concluiu que morrer de amores é coisa só de romances.

O estigma conta a história de dois amigos. Bruno andava por essas terras quando por acaso chegou à fazenda de Fausto, antigo amigo da época da escola que não via há tempos. Encontrou-o casado e com filhos, mas logo viu que casara pelo arranjo financeiro, pois a mulher era má. Vivia ali também uma mocinha, Laura, prima de Fausto, que ficando órfã foi recolhida por ele. Bruno galanteou com ela e depois de conhecer as terras do amigo foi embora. Anos mais tarde eles se reencontraram, Fausto então lhe contou a tragédia que fora sua vida. Naquele primeiro reencontro Fausto disse a Bruno que Laura era o único raio de luz e calor existente na Noruega fria que era sua vida, seu casamento. Depois disso, Fausto descobriu que amava Laura, lutou contra o sentimento, mas seu relacionamento com sua esposa, que já não era bom, piorou. Em um dia, ele saiu para caçar e viu Laura saindo também em direção a floresta, pois ela tinha o costume de ir para lá bordar. Fausto acabou não caçando, mas refletindo muito sobre sua vida. Quando voltou, um dos seus filhos lhe perguntou se ele tinha visto a Laurinha que tinha saído há tempo e não voltara. A esposa estava trancada no quarto e não queria ver ninguém. Fausto saiu com seus homens atrás de Laura e depois de muita busca encontraram-na morta, ferida por um tiro. A moça suicidou-se com o revólver de Fausto. A esposa não quis ver a moça morta, usando a sua gravidez como pretexto. Fausto nunca entendera a morte de Laura, sem nenhuma carta que justificasse e ainda usando o revólver dele, o mesmo que só ele e a esposa sabiam onde ficava. Finalmente quando nasceu o filho, descobriu todo o mistério. O menino nasceu com uma cicatriz que refazia com precisão o ferimento e o sangue que foi encontrado em Laura. Fausto não se conteve e mostrando o corpo do menino à sua esposa a acusou do crime, ela não disse nada e em pouco tempo morreu. Fausto, então a essa altura da história, chamou o filho para mostrar a Bruno a marca de nascença. Este, que ia fazer um comentário, foi calado por Fausto, pois o menino não sabia da verdade.

Velha praga fala da praga que é o homem, ou melhor, o caboclo. Ele vem com sua mulher, que carrega um menino na barriga, um no braço e outro de sete anos agarrado em sua saia com uma faquinha na cintura e já com um fumo na boca, além de um cachorro sarnento. Erguem uma tapera de sapê, penduram o santo e se estabelecem ali. Em agosto, deitam fogo na terra, destroem tudo com ele, ainda olham e falam “que fogo bonito”. Com isso deixam a terra pura cinza e em setembro, quando a chuva vem, plantam milho. Depois, quando a terra para de dar o milho, eles vão embora. Em pouco tempo a terra engole a taperinha que construíram. A justiça não faz nada contra o fogo que eles causam, a lei não os prende por isso. O caboclo apenas é “tocado”, mandado embora das redondezas, mas sempre repete a dose onde se estabelece e depois vai embora, deixando a natureza se encarregar de esquecer sua passagem.

Urupês fala do caboclo. Começa contando como na literatura caminharam até chegar ao índio e depois o trocaram pelo cabloco. Fala também de como nos livros o cabloco é uma coisa muito diferente da realidade. Porque, na verdade, o caboclo não tem nada de admirável, o que ele vende é o que a terra dá e a qualquer um basta colher; ele não precisa de banco porque seu calcanhar rachado lhe serve de tamborete; ele não conhece talher porque as mãos já fazem o papel da faca, do garfo, da colher, usa no máximo uma tigela. Vive em sua casa de sapê e, se uma goteira aparece, coloca uma tigela para aparar a água; buracos na parede servem de gaveta. Justifica-se dizendo que não vale a pena. Qualquer serviço não vale a pena pro caboclo, pro jeca. Não precisa de guarda-roupa porque só tem a que veste e uma que está lavando. Democracia conhece só como ir buscar os papéis com um coronel e votar em nem sabe quem. Doença se cura com três caroços de feijão e etc; parto perigoso resolve com uma foto de são Benedito. De religião tem os santos como os coronéis do céu e usa de Deus como justificativa, “Deus quis”. Arte não produz nenhuma. E assim vai todo o conto retirando do caboclo todo o romantismo.

Por Rebeca Cabral