Lima Barreto

Escritor atento à realidade de seu tempo, Lima Barreto fez da literatura um meio de documentação histórica, social e política.
Fotografia de Lima Barreto tirada durante os três dias em que esteve internado no Hospício Nacional em 1919
Fotografia de Lima Barreto tirada durante os três dias em que esteve internado no Hospício Nacional em 1919

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(...) Havia na vida, ou, por outra, nas relações entre os homens, um guia silencioso e secreto, que pesava os nossos atos e pedia, para dar-lhes apoio e encaminhar-nos para uma paz interior e um contentamento conosco mesmos, o emprego, em todas as nossas ações, do Justo, do Leal, do Verdadeiro e do Generoso; e esse guia (...) dava força aos fracos, coragem aos tímidos e uma seráfica satisfação quando cumpríamos o nosso dever com honra e dignidade. Esse guia era a Consciência (...)”.

O fragmento que você leu agora é parte do romance Clara dos Anjos, o último escrito por Lima Barreto. Na obra publicada postumamente, é possível encontrar grande parte das preocupações que rondaram toda a obra do autor, um dos primeiros a ver na literatura não apenas uma expressão artística, mas também um meio de documentação histórica, social e política. Em Clara dos Anjos, publicado vinte e seis anos após a morte do escritor, as questões raciais e as desigualdades sociais foram apresentadas e discutidas por um atento e inconformado Lima Barreto.

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu na cidade do Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1881. Filho de uma família de bom nível cultural (o pai era tipógrafo, a mãe, professora), embora humilde, contou com a proteção do Visconde de Ouro Preto, graças a quem conseguiu ingressar no curso de Engenharia, o que, à época, era improvável para alguém de origem como a sua. Com a morte do pai — a mãe falecera quando ele ainda era criança —, precisou abandonar a faculdade para sustentar a madrasta e os irmãos. Em 1903 ingressou, por meio de um concurso público, no setor burocrático da Secretaria de Guerra, colaborando, simultaneamente, com a imprensa carioca ao publicar artigos e crônicas em vários periódicos.

(...) Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa. (...)”.

(Diários íntimos)

A estreia como romancista aconteceu em 1909, com a publicação do livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha, mas foi em 1911 que sua obra-prima, Triste fim de Policarpo Quaresma, começou a ser publicada em formato de folhetim no Jornal do Commercio, para apenas quatro anos depois ser, finalmente, editada em livro. Nessa época, os primeiros transtornos mentais começaram a manifestar-se, sobretudo em virtude do alcoolismo e da depressão. Em razão da frágil saúde emocional, sofreu a primeira internação em um hospital psiquiátrico em 1914. Em 1916, retomou as atividades literárias, mostrando grande preocupação em documentar questões sociais da época, uma das principais características de sua obra.

(...) Em vários tempos e lugares, a loucura foi considerada sagrada, e deve haver razão nisso no sentimento que se apodera de nós quando, ao vermos um louco desarrazoar, pensamos logo que já não é ele quem fala, é alguém, alguém que vê por ele, interpreta as coisas por ele, está atrás dele, invisível!(…)”.

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(Triste fim de Policarpo Quaresma)

Lima Barreto definia sua produção literária como “militante”, voltada para a investigação das desigualdades sociais de sua época
Lima Barreto definia sua produção literária como “militante”, voltada para a investigação das desigualdades sociais de sua época

Quatro anos após a primeira internação, aposentou-se por invalidez do cargo que ocupava na Secretaria de Guerra, já que os problemas de saúde persistiam. Em 1919, foi publicado o livro Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, considerado pela crítica literária o mais bem escrito romance de Lima Barreto. Das diversas internações nasceram vários diários, que davam conta da rotina do hospício, e também o romance inacabado O Cemitério dos Vivos, título que é uma clara alusão à vida e ao tratamento dispensado aos doentes internados no Hospício Nacional.

(...) Ontem, matou-se um doente, enforcando-se. Escrevi nas minhas notas: suicidou-se no pavilhão um doente. O dia está lindo. Se voltar a terceira vez aqui, farei o mesmo. Queira Deus que seja o dia tão belo como o de hoje (...)”.

(Diários íntimos)

Candidatou-se três vezes à Academia Brasileira de Letras, mas em 1921 desistiu antes mesmo das eleições. Os críticos de sua época não reconheciam em Lima Barreto um grande ficcionista, já que em sua obra era predominante a preocupação em fazer da literatura um meio de intervenção na sociedade. Com a saúde debilitada, faleceu no dia 01 de novembro de 1922, vítima de um colapso cardíaco. Felizmente, muitos de seus textos têm sido levados ao grande público, alcançando, ainda que tardiamente, a posição que sempre deveria ter ocupado na literatura brasileira: a de grande escritor da língua portuguesa.

Bibliografia de Lima Barreto:

Romance
Recordações do Escrivão Isaías Caminha - 1909
Triste Fim de Policarpo Quaresma - 1915
Numa e a Ninfa - 1915
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá - 1919
Clara dos Anjos - 1948
O Cemitério dos Vivos - 1953
O Subterrâneo do Morro do Castelo - 1997

Sátira
As Aventuras do Dr. Bogoloff - 1912
Os Bruzundangas - 1923
Coisas do Reino do Jambom - 1953

Conto
Histórias e Sonhos - 1920

Artigo e crônica
Bagatelas - 1923
Feiras e Mafuás  - 1953
Marginália - 1953
Vida Urbana - 1953
Toda Crônica - 2004 - 2 volumes

Memórias
Diário Íntimo - 1953

Crítica literária
Impressões de Leitura - 1956

Correspondência
Correspondência - 1956


Por Luana Castro
Graduada em Letras