Ensaio sobre a cegueira

Por Marina Cabral da Silva

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Um homem esperava no sinaleiro o sinal de ida, mas quando isso aconteceu ele não saiu e logo o trânsito parou. Quando foram ter com ele o viram gritando dentro do carro desesperado, acabara de se tornar cego. Depois de muitas opiniões um moço ofereceu para levá-lo em casa. Foram no carro do cego, o rapaz deixou o homem dentro de casa e se foi.

Após algum tempo, ele adormeceu e a esposa chegou. Inicialmente brigou com o marido pelo o vaso que quebrara, mas depois de ouvir que estava ele cego, chorou e buscou um oftalmologista.

Quando os dois foram à procura do carro para irem ao médico não o encontraram, o moço que o ajudou roubara o carro, tomaram um táxi e seguiram. Ao chegar lá, já sabendo o que acontecera ao homem pela narração da esposa ao telefone, passou-os na frente dos outros pacientes. Esses, um velho com uma venda em um dos olhos, uma moça com óculos escuros, um rapazinho estrábico acompanhado da mãe, reclamaram, mas logo pararam. O doutor ouviu a narração do caso, o homem cegara de repente, via tudo branco, nunca usara óculos e não tinha na família casos de cegueira. Fizeram todos os exames possíveis e nada foi apontado.

O médico receitou outros exames e depois foi ao socorro dos outros pacientes. Já em casa contou à mulher sobre o caso, ligou para um amigo e combinaram de se encontrar para avaliar o cego. Ficou a estudar pela noite e foi aí que cegou também. E nos lugares onde estavam mais tarde ou mais cedo todos os pacientes daquele dia também cegaram. O médico adormeceu e no dia seguinte tentou avisar ao ministério essa cegueira epidêmica, mas não conseguiu, ligou então ao chefe do hospital e ele se encarregou de avisá-lo.

Pouco passou e o médico recebeu um telefonema. Viriam buscá-lo. A mulher dele correu para arrumar uma mala para os dois. Quando a ambulância chegou, não quiseram levá-la, mas ela mentiu dizendo que acabara de cegar, assim levaram-nos.

Um manicômio, esse foi o local escolhido pelo governo para isolar os cegos e todos aqueles que entraram em contato com eles. Ficariam ali, a comida chegaria três vezes ao dia e seria recolhida, primeiro pelos cegos, depois pelos contagiados, todo o resto deveria ser queimado, em caso de incêndio não teriam socorro de bombeiros, e em caso de morte eles mesmos enterrariam o morto sem formalidades e aquele que tentasse fugir ou se aproximasse demais dos portões seria recebido a tiros.

Logo os pacientes daquele dia em que o primeiro cego foi se consultar chegou e junto deles o tal cego com a esposa e ainda o moço que lhes roubara o carro. O rapazinho não parava de perguntar pela mãe, assim a moça dos óculos escuros ficou a cuidar dele. A mulher do médico fingia estar cega, então fingindo levou todos ao banheiro para que conhecessem o caminho. Foi nesse momento que o ladrão de carros aproveitou-se da moça de óculos e começou a tocá-la, como em defesa ela lhe chutou na perna, o salto do sapato feriu a perna do homem, esse foi o primeiro doente.

A perna inflamou e ele começou a ter febres, não recebiam primeiros socorros ali, assim, em uma noite ele arrasando-se foi até os portões suplicar ajuda, como as regras mandavam e o medo do contágio provocava pavor, foi recebido a tiro, foi também o primeiro morto. Logo a ala dos cegos recebia mais gente, eram os que cegavam e eram expulsos do lado que pertencia aos que apenas tiveram contato. Com o tempo a comida parou de chegar regularmente e quando vinha era em quantidade menor do que o número dos que iriam comer.

Depois de alguns dias sem comer, quando o anúncio da chegada da comida chegou, cerca de dez cegos foram às pressas recolher, os soldados ainda estavam ali e o medo tomou conta deles que começaram a atirar causando mortes. Chegou então uma nova remessa de cegos. Duzentos novos cegos, e todos naquele cárcere estavam cegos. Já a muito tempo as condições higiênicas foram reduzidas a nada, as pessoas defecavam nos corredores e a comida vinha desregularmente, passavam fome.

Um dos novos cegos tinha um rádio e assim ouviam o que ocorria no mundo lá fora. A cegueira não havia sido controlada, o trânsito foi findado e o governo acabara.

Ainda nessas circunstâncias uns tantos cegos munidos de cassetetes e pistolas declararam que só comia quem pagasse, recolhiam a pouca comida que vinha e faziam as trocas. Foi assim que todos os demais cegos se tornaram submissos a esses. No primeiro momento recolheram todo o dinheiro, jóias e qualquer outras coisas de valor que lá havia, comeram por alguns dias graças a esse “pagamento”. Quando tornaram a exigir um novo pagamento, tudo de valor já havia sido entregue, pediram então as mulheres.

Houve muitas reclamações por parte das mulheres, muitas justificativas dos homens e vergonhas daqueles que eram casados. Mas elas foram, no início foram as que viviam no primeiro sítio. Foram obrigadas a deitar com aqueles homens e assim receberam comida. Uma das que foram morreu e as outras voltaram humilhadas e em trapos. Logo vieram a exigir mais mulheres e assim as do segundo sítio foram.

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A mulher do médico via tudo aquilo, e na noite em que as do segundo sítio estavam com os cegos malvados, ela foi até lá, levava consigo uma tesoura e foi com ela que matou o “chefe” desses. Logo a gritaria começou, as cegas tentavam fugir e a mulher do médico as auxiliava ao mesmo tempo em que se defendia e defendia uma cega que no momento estava com o “chefe” com a tesoura. Anunciou então a mudança do quadro, quem buscaria a comida agora seriam eles.

Nessas circunstâncias um grupo de cegos bons foi atacar os malvados. O combate fracassou, os cegos malvados se defendiam com oito camas na porta de seu sítio e com tiros que matou dois do lado de lá. Voltaram. Uma moça, aquela que estava com o “chefe” quando ele morreu, achou um isqueiro em suas coisas e caminhou até o sítio dos cegos malvados e pôs fogo nas camas. O manicômio pegou fogo.

Muitos morreram, mas alguns escaparam e lá fora não havia mais o exército vigiando. O grupo formado pelo médico e sua esposa, o primeiro cego e sua esposa, a moça dos óculos escuros, o rapazinho estrábico e o velho da venda sobreviveu. E assim foram viver lá fora. A esse ponto a mulher do médico contou que via, foi assim que os guiou até uma loja e os deixou lá, buscou alimento e voltou com um cachorro.

Comeram depois de toda a fome que passaram. Buscaram então por roupas, pois estavam em trapos. Vestidos e alimentados foram buscar suas casas. Chegaram primeiro na da moça dos óculos escuros. Os pais dela não estavam lá, encontraram apenas uma vizinha rude. Ela tinha a chave da casa e a entregou. Dormiram lá. No dia seguinte partiram. A chave ficou com a vizinha.

A cidade se tornara um caos. Fezes por todo canto, as lojas saqueadas e os bancos roubados, mortos sendo comidos por cães e animais por animais, ratazanas gigantes, a energia acabara e a água encanada também. Andaram e foram ter na casa do doutor. Lá vestiram roupas limpas e dormiram.

No dia seguinte o primeiro cego, sua esposa e a mulher do médico foram a casa deles. Um escritor com suas filhas e esposa moravam lá. Conversaram e ficaram como estavam.

No outro dia em que choveu tomaram banho e lavaram as roupas. Depois o médico e sua mulher e a moça dos óculos foram ao consultório dele, viram como as coisas estavam e depois foram novamente à casa da moça, encontraram a vizinha morta no chão com as chaves da casa da moça nas mãos, deixou então como sinal aos pais da moça uma fita de seu cabelo.

O médico e sua esposa foram ao supermercado no qual ela havia pegado comida da primeira vez, mas encontraram o depósito transformado em cova para alguns mortos. A mulher com tal cena passou mal, foram à igreja onde ela recuperou-se do desmaio. Quando assim fez viu no altar todas as imagens com os olhos vendados. Disse isso, a igreja que estava lotada achou que ela vira tal coisa através do tato e assustados com a cegueira da fé fugiram.

A comida que deixaram o médico e sua mulher recolheram e levaram pra casa. Lá levavam a vida. A moça dos óculos escuros e o velho da venda se fizeram namorados, a mulher do médico lia para eles e eles se alimentavam do pouco que tinham e desfrutavam do luxo da água pura que tinham ainda para beber.

Foi em uma noite dessas que o primeiro cego gritou que estava cego. Viu tudo preto, mas em seguida passou a ver. Gritava que via. Nessa noite a cidade, o país voltou a ver. A mulher do médico talvez foi a única que sempre viu. Mas para ela sempre haviam visto, mas sem enxergar de verdade.

Por Rebeca Cabral