A confissão

Por Wanessa de Almeida

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Ele a sequestrou a fim de lhe contar a história da sua vida. Usou clorofórmio para fazê-la adormecer quando a abordou em seu carro, durante a noite. Assim, levou-a para sua casa e prendeu-a em uma poltrona, retirando a mordaça depois que ela acordou. Ele a tratava com certa delicadeza, chamando-a de senhora e querendo saber sua opinião sobre os fatos que narrava.

Nessas circunstâncias, ele começou a narrar sua vida. Era um rapaz pobre, solitário e até mesmo medroso. Vivia do roubo de livros. Roubava livros de bibliotecas e livrarias para depois vendê-los nos sebos. Vez ou outra tinha um cliente, como foi o caso de um senhor que lhe encomendava livros e comprava todos, mesmo não sendo os que ele tinha pedido. Com o dinheiro que ganhava, pagava o quarto na pensão miserável onde vivia e se alimentava. Muitas vezes passava fome, mas já sabia lidar com ela. Tinha o hábito de ir ao cinema e também gostava de tomar vinho, mesmo não tendo paladar para isso.

Foi por esse motivo que conheceu sua vítima, ele a viu em um restaurante de luxo, ela não o viu. Ele suplicou com os olhos que ela o ensinasse a apreciar vinhos como ela fazia naquele instante. Mas ela estava alheia ao mundo fora do restaurante. Era uma mulher rica, não reparava em rapazes pobres da rua. Naquele dia, ele pensou que a mataria.

Um dia voltando do cinema, viu uma moça no ônibus, Emma, ela carregava duas garrafas de vinho e lhe chamou extremamente a atenção. Pela pele da nuca, que era o pouco do corpo dela que ele podia ver, deduziu sua idade. Quando ela desceu, ele a seguiu sem que ela percebesse. Assim, ele a viu tocar a campanhia de um sobrado. Uma luz se ascendeu no piso superior e, segundos depois, alguém abriu a porta, pegou as garrafas e entrou, Emma o acompanhou. No dia seguinte, ele fez o mesmo caminho da noite passada, mas para sua surpresa o sobrado era um prédio abandonado, não havia nem mesmo uma janela no segundo andar.

Mas ele teve outro encontro com Emma, encontrou-a na porta do restaurante em que vira sua vítima. Ele olhava os cardápios expostos na porta, eles trocaram um sorriso e ele a convidou para um almoço. Almoçaram e Emma pagou a conta, ele não tinha dinheiro. Ela falava sobre os sabores da comida, sobre o sabor do vinho e os ingredientes de tudo aquilo, mas ele não via diferença. Ficaram juntos todo o dia e, à noite, também dormiram juntos. Ele estava apaixonado por Emma. Queria perguntar para ela sobre o sobrado, mas achou melhor deixar para outro dia.

No dia seguinte, quando se levantou e ia para a cozinha beber água, encontrou um livro de colecionador na estante de Emma e, dentro dele, 500 dólares. Depois de muito pensar, decidiu levar só o livro. Foi nesse momento que ouviu um homem bater na porta e, com o tempo, ficar irritado. Acabou indo embora pelos fundos, levando o dinheiro e o livro. Depois de pouco tempo viu no jornal que Emma havia morrido, ela havia sido encontrada morta na sua cama, mas nada levava a um assassinato.

Desde aquela noite com Emma, a vida dele havia mudado, sua primeira ação ao sair do apartamento dela foi voltar ao restaurante e comer tudo que havia comido no outro dia. Mas, desta vez, ele sentia os sabores, ele sabia apreciar. Quando viu a morte de Emma estampada em uma coluna do jornal, ele sofreu muito e, de alguma forma, soube que era o culpado. Dessa forma, decidiu pesquisar, passava horas na biblioteca da cidade, buscando alguma explicação.

Foi assim que ele acabou desmaiando no meio da rua, estava fraco porque se alimentava muito mal. Ele foi socorrido por Agnes. Ela era médica no Instituto responsável por tratar de moradores de rua. Ele ficou mais tempo que o necessário no instituto. Agnes e ele desenvolveram um relacionamento. Ela ouvira muita coisa que ele dissera em delírios enquanto não acordava do desmaio.

Assim ela sabia que ele estava pesquisando sobre vampiros na biblioteca e sabia sobre Emma. Depois que ele saiu do Instituto, eles se encontraram. Ele decidiu que não ia dormir com ela porque sabia que aquilo a mataria. Assim, no primeiro encontro deles, ela só contou sobre sua vida. Contou que havia se tornado médica porque o pai quis que ela seguisse os seus passos e contou que na faculdade teve uma grande amiga, Lúcia. As duas foram para Itália e nutriam uma paixão por livros de vampiros. Lúcia viveu um romance durante essa viagem e um dia assustou Agnes perguntando como seria morrer de amor. No mesmo dia, Agnes encontrou Lúcia em um último suspiro, com os olhos brilhantes e nua em sua cama no hotel, logo depois de ter visto o namorado que Lúcia tinha feito na viagem deixando o hotel.

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Agnes contou como Lúcia, antes de morrer, havia entregado um papel para ela com o nome de uma biblioteca e o nome de um frei. Ela dedicou sua vida para descobrir o que matara Lúcia. Ela voltou depois à Itália e leu os textos daquele frei que contava o que ele era na verdade.

Ele queria saber mais, mas Agnes disse que não contaria, que ele teria que tomar dela. Assim ele foi embora, mas dias depois a encontrou na porta da pensão, debaixo da chuva. Eles foram para casa dela, comeram e ele falava sobre o vinho e viagens a vinhedos, tudo baseado nas lembranças de Emma. Dessa vez, eles dormiram juntos. No dia seguinte, ele foi embora sabendo que era um vampiro, e sua habilidade era roubar as memórias e experiências das pessoas com quem dormia. Agnes havia deixado suas joias arrumadas em uma maleta visível. Eram muitas e de valor, ele teria dinheiro por tempo suficiente.

Começava uma nova etapa na vida dele, vendeu uma pulseira para um dono de sebo que era seu comprador, depois comprou essa casa onde estava com a sua vítima e, por fim, viajou.

A essa altura já era um homem, era bem mais ciente do que era e se tornara bem mais sofisticado graças ao que roubara de Emma e Agnes. Foi assim que chegou a Londres, lá dormiu com uma garota chinesa e assim seguiu viagem para o vilarejo de onde ela tinha vindo. Ficou na casa dela e desfrutava da paz de um local onde a civilização não tinha chegado. Naquele lugar tentava se encontrar, quando uns fotógrafos franceses chegaram, instantaneamente não gostou deles, dois homens e uma mulher. Quiseram lhe entrevistar, mas ele acabou desistindo. Um dia, enquanto fazia uma trilha pela floresta do local, a fotógrafa o seguiu para tentar a entrevista de novo, ela era a primeira pessoa que ele quis matar só para fazer-lhe mal, dormiu com ela ali mesmo na floresta, no dia seguinte, foi para Bruxelas.

Ele sempre descia nas pontes aéreas que seus voos faziam. Foi assim que parou em Lisboa, onde dormiu com uma prostituta romântica que iria se matar no dia seguinte.

Já tinha se passado cerca de dez anos, e as viagens não o satisfaziam mais. Seu último destino foi Bruxelas. Lá encontrou um homem gordo que dizia saber a língua dos pombos e saber quem ele era na verdade. Depois disso voltou para o Brasil.

Buscou os locais que frequentava antes de se tornar aquele novo homem. Foi nessas andanças que em um bar que frequentava encontrou na mesma mesa que se sentava um jovem idêntico a ele, talvez era ele mesmo mais novo. Perguntou quem era, mas o jovem não respondeu, seguiu-o até a pensão e lá o jovem simplesmente desapareceu. Uma moradora nova disse não saber quem era esse, e seu antigo vizinho reconheceu a descrição, mas disse que o tal rapaz tinha ido embora há algum tempo.

Nesse dia, andando pela cidade, ele conheceu Inês, ela era violinista. Ele seguiu-a até um bar onde ela se encontrou com amigos, ouviu toda sua conversa e continuou seguindo-a no ônibus, viu que ela era apenas amiga de um dos jovens do grupo, que claramente tinha maiores interesses. Seguiu-a quando ela desceu do ônibus. Quando dois jovens meio bêbados a importunaram, ele a socorreu e, assim, conheceram-se. Inventou uma história que a tinha visto no ensaio aberto que teve na faculdade e quando questionado, perguntou se ela queria ouvir uma história. Ela disse que sim.

Eles foram jantar e, no final, estavam interessados um no outro. Inês estava apaixonada, ele não queria se envolver porque sabia que acabaria matando-a. Foi em uma de suas conversas que, para sua imensa surpresa, ela disse que era filha da sua vítima, da mulher que ele tinha sequestrado. Inês estava muito envolvida e ele fugia dela, mas ela conseguira seu telefone e seu endereço. Ela foi vê-lo, mas ele estava decidido a não matá-la, assim, depois de um beijo, ele foi pegar uma surpresa e a mandou esperar de olhos fechados. Ela desmaiou com o clorofórmio e ele colocou-a no carro, deixando-a no estacionamento do prédio dentro do veículo.

A essa altura ele estava cansado de ser aquele novo homem, queria poder voltar ao começo. Chegou à conclusão de que o que o impedia de ser aquele outro homem era ter perdido o medo. Era esse o motivo de ter sequestrado a mãe de Inês. Ela estava com medo agora e, dormindo com ela, poderia roubar dela o medo e voltar a ser o mesmo homem que era anos atrás, mesmo que fosse mais velho. Era isso que queria.

Por Rebeca Cabral