Lucrécia Neves era uma moradora de São Geraldo. Um subúrbio que aos poucos se transformou, acompanhando a modernização ao redor. Lá havia uma grande quantidade de cavalos que disputavam a rua com os moradores, viam-se também galinhas, e o cheiro dos poucos motores se misturava ao aroma do campo.
Lucrécia morava com a mãe, Ana. Era extremamente patriota em relação ao subúrbio, sentia-se dona da cidade. Era magra e alta, o rosto era pálido e, em alguns momentos, apresentava manchas negras, talvez pelo efeito da luz. Ela era uma mulher fria e também ingênua.
Sua mãe era viúva, viviam as duas juntas em uma casa cheia de bibelôs, a comunicação entre mãe e filha não era das melhores, na verdade, juntas encenavam uma “farsa”. Não eram pobres, o que elas tinham permitia uma vida adequada sem luxos ou extravagâncias.
Lucrécia namorava Felipe, que fazia parte da cavalaria, ela amava homens do exército, aqueles que usavam fardas e carregavam armas. Felipe se enquadrava bem a esse perfil. Ao mesmo tempo saía com Perseu, um jovem bonito, talvez o homem mais bonito que ela já tivera, ele gostava dela, achava-a maravilhosa; no entanto, para ela, Perseu era um belo e educado homem, mas também um fraco, já que ela se mantinha à frente do relacionamento deles.
Ela e Felipe romperam no momento em que ela lhe negou um beijo e ele ofendeu o subúrbio dela, ela o criticou como forasteiro e assim acabou o romance. Ele tinha farda, porém não pertencia a São Geraldo. Perseu e ela também acabaram se separando, mesmo depois da tentativa dele de mudar seu jeito de ser, ao que Lucrécia reagiu negativamente, fazendo-o voltar a ser o Perseu maravilhado pela pessoa dela.
Nessas circunstâncias, existia Mateus, um homem rico, morador da metrópole, mas que vinha a São Geraldo e fazia visitas à Ana com o verdadeiro intuito de conseguir Lucrécia. Como sua idade de casar já chegara, Lucrécia casou-se com ele e foram para a metrópole.
Lá iam a festas e teatros, Lucrécia ao mesmo tempo se espantava e admirava o ritmo acelerado da metrópole com toda a sua chamada modernidade. Moravam em um hotel, ela não fizera amizades e também não compreendia o marido, porém o amava. Mateus era rico, saía cedo para trabalhar e era bondoso. Lucrécia só compreendeu seu jeito de ser quando ele morreu. Foi aí que descobriu a bondade do marido e como para ele a vida deles era boa, como a rotina do casamento o alegrava.
Lucrécia, cansada da metrópole, decidiu voltar a São Geraldo, Mateus aceitou instantaneamente a ideia. Ana havia se mudado para uma fazenda de um parente ou conhecido, assim eles voltaram a morar na antiga casa de Lucrécia. No subúrbio, os cavalos já davam espaço para os bondes, fábricas surgiam e um viaduto fora construído varrendo os cavalos, galinhas e o cheiro de campo para longe.
Como Mateus viajava muito, em uma de suas viagens deixou Lucrécia em uma ilha para que ela engordasse e não ficasse só em São Geraldo. Nessa ilha vivia Dr. Lucas, já conhecido de Lucrécia. A mulher dele vivia em um manicômio e foi assim que ela se apaixonou pelo doutor. Eles passeavam juntos e, às vezes, os braços se tocavam, ela apaixonava-se cada vez mais. Ele declarou impossível o romance e depois questionou se Lucrécia reapareceria.
Na noite seguinte, ela estava lá declarando que por ser impossível não iria acontecer. Os dois viveram um romance. Mais tarde Lucrécia voltou a São Geraldo e Mateus morreu. Ela sofreu, arrependeu-se de como era ávida com o marido, sempre a pedir sem nunca compreender o quão bom ele era.
Nesse tempo, Perseu se tornara um homem, encontrara uma mulher no trem com quem se sentou para beber depois da viagem e mudou-se para outra cidade para exercer a medicina.
Viúva, ela morava só no subúrbio que não era mais o seu subúrbio. Os cavalos foram banidos e a nova geração, domada pela modernidade, tomava conta das ruas. Foi assim que recebeu uma carta de sua mãe, um homem de “bom coração” se interessara por ela (tinha visto uma foto). Lucrécia se encantou com a novidade, teria o luxo de ter dois maridos e assim foi embora de São Geraldo.
Por Rebeca Cabral