A cidade e as serras

Por Marina Cabral da Silva

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Jacinto vivia em uma maravilhosa mansão, nos Campos Elísios, nº. 202, que pertencera a seu pai e a seu avô. Tinha como grande amigo José Fernandes e o negro Grilo. Ele acreditava que “o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”, sendo assim, abominava a vida no campo, amava e glorificava a cidade e seu ritmo. José Fernandes resolveu partir para Guiães, para a casa de seus tios nas serras. Jacinto lamentou pelo amigo e, assim, ficaram separados por sete anos.

Quando retornou a Paris, voltou a viver na mansão com Jacinto. No entanto, encontrou um amigo abatido e tomado pelo tédio da mansão farta de “civilização”: elevador, milhares de volumes de livros, abotoadores de ceroulas, um relógio com o horário de todas as capitais do mundo e a órbita dos planetas.

A vida seguia em meio às modernidades. Em certo momento, Jacinto recebeu uma carta noticiando que o local onde estavam enterrados os avós e o resto da família havia desmoronado. Jacinto ordenou a construção de um novo local para abrigar os mortos. Em meio a tais acontecimentos, dia após dia, ele se cansava mais da vida. Os bailes, como o feito para o Grão-duque, não o satisfaziam e as visitas aos bosques também não.

Foi então que ele anunciou sua partida para Tormes com a intenção de presenciar uma cerimônia realizada em homenagem à construção feita para seus antepassados. Assim, vários artefatos foram enviados às serras onde Tormes se localizava e por lá a casa era preparada para receber Jacinto com toda a sua necessidade por civilização.

Partiu em abril e junto a ele estavam José Fernandes e Grilo. Por fim, depois de uma longa viagem, chegaram a Tormes, no entanto, nada estava pronto, nem mesmo a chegada deles era esperada. Suas malas foram extraviadas e instalaram-se precariamente em Tormes. No dia seguinte, José Fernandes foi para Guiães, uma fazenda vizinha, a fim de providenciar para Jacinto algumas roupas para que ele pudesse embarcar de volta.

Em Guiães, José Fernandes escreveu uma carta para Jacinto, mas não obteve resposta, dessa forma, resolver ir a Tormes para saber o que havia acontecido. Ao chegar lá, encontrou seu amigo Jacinto, que havia se instalado em Tormes e passou a reformá-la. Não vivia mais enfadado e resolveu se instalar definitivamente naquele lugar. Chegou o dia da cerimônia para o reenterro dos mortos, mas, na verdade, nenhum deles era parente de Jacinto.

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Ele passou a viver no campo com mordomia, mas sem as modernidades que tinha em Paris. Instalara-se de tal forma que planejou a criação de rebanho destinada à queijaria que queria construir, no entanto, desistiu dela e o que fez mesmo foi uma reforma caridosa.

Para todos os trabalhadores de sua terra construiu novas casinhas e aumentou os salários. Planejou então a construção de uma farmácia, uma biblioteca e uma creche, com isso, tornou-se popular entre a população dali. No aniversário de José Fernandes, Jacinto foi para Guiães onde haveria um pequeno baile em comemoração à data. A festa foi meio tensa porque muitos achavam que Jacinto participava do miguelismo, um partido político absolutista e de extrema direita.

No dia seguinte à festa, José Fernandes levou Jacinto até a fazenda do pai de sua prima, Joana, a quem ele gostaria de ter apresentado Jacinto na festa, mas não pôde, pois a moça não havia comparecido, seu pai estava com um furúnculo e precisava dela. Conheceram-se e, depois de cinco meses, casaram-se.

Dessa união nasceram dois filhos, Terezinha e Jacinto. Jacinto estava firmado na vida em Tormes, por muitas vezes quis levar a família para conhecer Paris, no entanto, a viagem era sempre adiada e assim o tempo passava. Na casa notava-se uma presença maior de modernidades, mas nada estrondoso. José Fernando voltou a Paris, mas não por muito tempo. Logo ao chegar lá viu como a cidade era horrorosa e desagradável.
Chegou a encontrar amigos, o que só mostrou como lá nada mudara. Voltou às serras e por lá ficou junto a Jacinto e sua família.

Por Rebeca Cabral