Imagine ter que acordar cedo sozinho, pegar ônibus, almoçar em restaurantes, dividir a casa com um monte de gente diferente, ter que cuidar da limpeza do local e ainda cuidar para que as contas não se atrasem... Agora imagine fazer isso tudo todos os dias e ainda em outra cidade, longe dos seus pais e familiares. Essa é a opção de vida que muitos estudantes fazem quando resolvem se preparar para o vestibular ou fazer uma faculdade longe de casa, em outra cidade. Geralmente, esses jovens migram do interior para as capitais, atrás de melhores escolas e universidades.
Mas é claro que nem sempre as coisas acontecem como narrado acima. Existem diferentes tipos de habitações para calouros de fora, como os alojamentos oferecidos por universidades para os estudantes que passam em seus vestibulares e não têm onde morar, as repúblicas (pequenas pensões onde estudantes dividem apartamentos) e, para quem tiver mais condições, apartamentos ou casas alugadas. Na maioria das vezes, os estudantes da mesma cidade dividem apartamentos por já se conhecerem, mas, pode acontecer de você só conseguir dividir moradia com pessoas desconhecidas.
A decisão
Esse não foi o caso da recém formada jornalista Camila Ligeiro, de 23 anos. Camila vive há 7 anos em Goiânia, cidade onde cursou o 3º ano do ensino médio, cursinhos e onde fez a faculdade de Jornalismo, na Universidade Federal de Goiás. Os pais da jovem vivem em Barra do Garças, Mato Grosso, de onde ela saiu aos 17 anos com um irmão mais novo para viverem sozinhos em um apartamento comprado pelo pai. Ela conta como foi a decisão de morar fora: “Não foi fácil, é claro! É muito difícil escolher ficar longe da família e dos amigos. Mas precisei sair de casa para encarar um ritmo mais puxado de estudo e me preparar bem para o vestibular”. E mais, Camila passou no vestibular em duas instituições públicas (em Goiás e Mato Grosso), mas preferiu continuar em Goiânia onde, segundo ela, “posso procurar melhores empregos e também os melhores cursos, já que não pretendo parar de estudar tão cedo”.
Caminho inverso fizeram os jovens José Ângelo Campolina, de 21 anos, e Eduardo Moreira, de 22. Os dois partiram de Goiânia para estudar na Universidade Federal de Santa Catarina, a UFSC, onde cursam, respectivamente, Direito e Engenharia Elétrica. Muitos irão identificar-se com a história de José Ângelo que, como filho único, transformou radicalmente sua vida mudando-se para Florianópolis. Ele conta que foi difícil para os pais aceitarem sua decisão no início, mas eles acabaram percebendo que seria melhor para o futuro profissional do filho.
Amadurecimento
Morar sozinho longe dos pais tem suas vantagens e desvantagens. Uma das vantagens é a oportunidade de fazer um curso superior que não seja oferecido em sua cidade ou estudar em um colégio melhor. Além disso, você poderá conhecer novos ambientes e fazer novas amizades. Esse mundo totalmente novo o ajudará a desenvolver uma maior autonomia. Lidar com as pequenas peculiaridades do dia-a-dia (pagar contas, cuidar da limpeza e preocupar-se com a comida) o ajudará a amadurecer. Isso foi fácil para Camila Ligeiro, já que, primogênita de 6 irmãos, ela desde cedo ajudou a mãe nos afazeres domésticos e acabou adquirindo cedo sua maturidade.
José também considera que amadureceu bastante desde que assumiu sozinho um apartamento e as rédeas de sua vida: “Tornei-me uma pessoa mais calma, paciente, centrada, passei a perceber que eu não vivia numa bolha e que o mundo não girava ao meu redor (impressão que eu tinha quando morava com meus pais). Aprendi também a me virar sozinho, a conviver com as adversidades e diversidades (esta última com relação às pessoas) e descobri que liberdade deve vir sempre acompanhada de responsabilidade para que se tenha sucesso em qualquer coisa que você fizer na vida”.
Morar sozinho dá trabalho
Outro aspecto ruim é que viver sozinho dá muito trabalho. De uma hora para a outra você se torna o responsável por deveres que nunca tomou idéia de como se faz (por exemplo, quanto tempo dura um botijão de gás ou quais produtos de limpeza deve comprar para lavar as louças ou o banheiro). “No começo era meio chato, mas hoje em dia já estou acostumado”, declara Eduardo. É claro que, com o tempo e a rotina, a tendência é acabar assumindo essas tarefas com naturalidade, o que acaba logo se tornando banal. E, como considera José Ângelo, “a necessidade é a melhor das professoras, logo aprendi a me virar sozinho e tiro isso de letra”.
Já Camila encarou com naturalidade esse detalhe da nova vida: “Nunca aprendi a cozinhar, mas me viro bem no resto. Essas atividades são parte da independência que tenho e me fazem muito bem. Sinto-me mais dona da minha própria vida tendo esses pequenos afazeres”, completa ela.
Muitas vezes, essa mudança acaba apontando outros rumos para a vida do jovem. José Ângelo, por exemplo, não pretende voltar para Goiânia ou para São Luís do Maranhão, onde nasceu. E Eduardo diz que seu futuro depois de formado depende das oportunidades de trabalho. Ainda mais que voltar para a casa dos pais depois de adquirir certa independência torna-se complicado. “Depois de morar fora, você já não aceita com tanta facilidade intromissões nas suas coisas, quer resolver tudo sozinho”, diz Eduardo.
Família e Amigos
Uma desvantagem dessa mudança radical é a perda do convívio com a família e os amigos. Se não for de fazer amizade fácil, o jovem pode se sentir muito sozinho e não se adaptar à nova vida. “Fiz poucos amigos quando vim morar em Goiânia. As amizades mesmo só vieram depois de entrar na faculdade e mesmo assim, bem aos poucos, na medida em que íamos nos conhecendo melhor. Para mim foi a parte mais difícil de toda essa experiência, porque durante muito tempo eu me senti um pouco só, perdida numa cidade desconhecida”, conta Camila.
Já os dois jovens que se mudaram para Santa Catarina passaram por esse problema sem grandes dificuldades. Tanto Eduardo quanto José Ângelo fizeram amizades logo na nova cidade. “Logo no começo fiz poucas, mas boas amizades. Com o passar do tempo fui ampliando meu círculo de amizades em Florianópolis”, disse José.
Para quem tem namorado (a) na cidade natal a partida fica ainda mais difícil. Ou o namoro fica firme e forte com a distância ou acaba, como foi o caso da Camila que namorou à distância durante 4 anos. ”Nunca foi muito fácil, mas havia cooperação. Nos víamos sempre que dava e isso funcionou por um bom tempo. Mas, fomos ficando cada vez mais distantes em nossas pretensões e tomando rumos diferentes em nossas vidas e isso sim nos afastou”. É nessas horas que você tem de fazer uma escolha consciente (afinal é o seu futuro que está em jogo). E, se serve de consolo, Camila até arrumou namorado em Goiânia, com quem está há 3 anos e muito feliz.
Eduardo passou por situação semelhante. Depois de ir pra Florianópolis conheceu uma garota e engatou um “NAD”, ou seja, namoro à distância. “No começo era tudo uma maravilha, mas depois ficou insustentável. Terminamos”, disse Eduardo. Mas, muita calma nessa hora. Afinal, isso não é uma regra e todos sabem que um relacionamento pode dar certo ou errado estando perto ou longe.
Dicas
Calma, não comece a arrumar as malas nem desista da idéia de deixar sua cidade antes de ler algumas dicas:
- Procure refletir um pouco sobre você e seus modos antes de procurar uma república ou alguém pra dividir um apartamento, como: “Tenho mania de limpeza?”, “Gosto de dormir cedo ou acordar tarde?”, “Sou bagunceiro?”, “Que tipo de moradia mais combina com meu estilo de vida?”, “Como era na casa dos pais, dividia quarto ou tinha um quarto só meu?”.
- Não fique eufórico com a idéia de ficar livre dos pais (poder sair e chegar na hora que quiser sem dar satisfação), lembre-se que liberdade e responsabilidade têm que andar juntas (como disse o experiente José Ângelo). Se não cuidar de você mesmo e de seu futuro, pode jogar fora suas oportunidades;
- Converse com alguém que vive ou tenha vivido experiência semelhante e pergunte tudo que você não saiba, tire todas as dúvidas;
- Procure conhecer bem a cidade para onde deseja se mudar (sua história, localização exata, costumes, ruas e avenidas e, é claro, as linhas de ônibus).
Sem arrependimento
Finalmente, antes de fazer a escolha entre ficar em sua cidade e estudar fora, pese as vantagens e desvantagens das duas opções e faça a escolha que considera correta para você (não para os pais ou o (a) namorado (a)). Morar fora, ganhar independência o ajudará a amadurecer e adquirir responsabilidade. E ficar na casa dos pais lhe dará segurança e estabilidade. Então, faça a sua escolha e não pense em se arrepender ou não. Pense que de alguma forma você ganhará experiência e conhecerá novos rumos. “Nunca me arrependi de sair de casa, pelo contrário. Acho que abri um caminho em toda família, porque agora meus irmãos sabem que têm outras opções e podem também querer buscar novos horizontes e parar de depender tanto dos nossos pais”, conclui Camila Ligeiro.
Eduardo é categórico ao dizer que “faria tudo de novo” e o ambicioso José Ângelo pretende alçar vôos ainda maiores: “Espero poder continuar crescendo cada vez mais e aprendendo coisas novas”.