Prova Amarela - Questão 58

A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada... Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras! Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando dum engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era
um senhor de engenho de Pernambuco.

José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações).

Na construção da personagem “velha Totonha”, é possível identificar traços que revelam marcas do processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto acima, infere-se que a velha Totonha

a) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho, que denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa.

b) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional.

c) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana européia em concomitância com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil.

d) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a européia.

e) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes da literatura e da cultura européia universalizada.

Gabarito: E

Resolução:

a) Falsa. Seria no mínimo incoerente o romancista querer construir uma personagem que fosse, ao mesmo tempo, influenciada da literatura européia e pertencente às classes subalternas do ambiente colonial. Fazendo alusão ao legado de Gilberto Freyre, Totonha não seria uma personagem proveniente do universo da “senzala”.

b) Falsa. Ao tomar como referência criativa os bons modos e as virtudes dos reis e rainhas da Europa Medieval tipicamente demonstrados nos romances de cavalaria, Totonha demonstra claramente nenhum “compromisso histórico” em imprimir em suas personagens os valores e comportamentos restritos à realidade colonial brasileira.

c) Falsa. A questão aponta erroneamente “a Europa” que influencia o processo criativo de Totonha. Ao falar de suas personagens, ela busca confluir o ambiente rural da Europa Medieval e os sujeitos históricos presentes no ambiente colonial (e também rural) do Brasil Colônia.

d) Falsa. Exigindo conhecimento sobre a História da Literatura Brasileira, o aluno deveria compreender os principais traços que definem a obra de José Lins do Rego. Sendo um dos grandes nomes da literatura regionalista brasileira, José Lins pretende retratar uma fração de nosso país sem preocupar-se necessariamente em equiparar os referenciais estéticos e históricos brasileiros aos europeus.

A correta: e) Verdadeira. Totonha representa um dado híbrido da constituição identitária e cultural do nosso país ao pretender amealhar personagens, valores e cenários europeus e regionais.

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