Quem precisa?

Em 17/07/2008 12h22 , atualizado em 17/07/2008 14h11 Por Camila Mitye

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Desde 14 de junho a família da engenheira Patrícia Amieiro, de 24 anos, está envolvida em um mistério. Patrícia voltava de um show e as pistas de seu paradeiro terminam no Canal de Marapendi, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, onde seu carro foi encontrado caído de uma altura de 15 metros. Um relógio e uma pulseira são os únicos vestígios de Patrícia. Seu carro, com o cinto de segurança do motorista afivelado, não tem vestígios de sangue. Dois policiais são suspeitos de terem atirado contra o veículo da engenheira e, de maneira ainda desconhecida, terem assassinado a moça.


Patrícia: o que aconteceu afinal?

Na noite de 28 de junho, o estudante Daniel Duque Pittman, 18 anos, saía de uma boate na zona sul do Rio de Janeiro em companhia de amigos, quando uma confusão e um tiro tiraram sua vida. O motivo da confusão tem várias versões (uma delas diz que a iniciativa da briga partiu do grupo de Daniel). A bala que matou o estudante saiu da arma de um policial militar que faz a segurança da promotora Márcia Velasco, e que acompanhava o filho dela na boate. O PM teria atirado três vezes para cima, com o objetivo de dispersar o tumulto. Uma das balas acabou matando Daniel.


Daniel Duque: morte "acidental"

Policias perseguiam bandidos na noite do dia 06 de julho, um domingo, quando confundiram o veículo preto de uma mãe e seus dois filhos com o dos criminosos. O carro de Alessandra Soares foi metralhado com mais de 15 tiros e, um deles, atingiu a cabeça de seu filho mais velho, João Roberto Amorim Soares, de apenas 3 anos. Alessandra e seu outro filho, um bebê de nove meses, sofreram apenas ferimentos leves. Câmeras de segurança de um prédio em frente ao local onde aconteceu o crime mostraram a ação dos policiais, que se aproximaram cautelosamente do veículo e abriram fogo, ignorando até mesmo a bolsa do bebê que Alessandra atirou pela janela, na tentativa de mostrar que havia crianças no carro. Ela parou o carro com o intuito de deixar os policiais passarem. João Roberto faria 4 anos no próximo dia 29 e foi enterrado com uma roupa do personagem Homem-Aranha, que seria tema de sua festa de aniversário.


João Roberto, de 3 anos

No dia 13 de julho, no Paraná, Rafaele Ramos Lima, estudante de 20 anos, também foi confundida com bandidos. Um carro igual ao que ela estava havia furado três bloqueios da Polícia Rodoviária e fugido. A polícia confundiu os veículos porque o carro de Rafaele colidiu acidentalmente com um dos carros dos policiais. A estudante foi atingida na cabeça e morreu a caminho do hospital.


Rafaele: mais uma vítima das confusões policiais

Ao parar com seu automóvel em um semáforo, o administrador Luiz Carlos Soares da Costa, de 35 anos, foi abordado por um assaltante, na noite da última segunda-feira, 14 de julho. Jeferson Santos Leal, 18 anos, o assaltante, tomou a direção do veículo obrigando Luiz a sentar-se no banco do passageiro. Policiais militares teriam suspeitado da atitude do motorista que, ao ser abordado, acelerou e atirou contra os policias. A reação imediata dos policiais foi atirar de volta: pelo menos 9 tiros atingiram o carro. Jeferson só parou ao ser atingido nas costas. A vítima do assalto, Luiz Carlos, recebeu três tiros e morreu antes mesmo de chegar ao Hospital. O corpo de Luiz foi retirado do carro como se ele fosse um criminoso. A polícia só descobriu que ele era a vítima quando o celular de Luiz tocou.

Toda a ação policial foi gravada por uma câmera do SBT. Os policiais modificaram a cena do crime (mudaram o carro de lugar) e ao chegar ao hospital com os dois homens (seqüestrador e vítima) disseram para os médicos não terem pressa no atendimento, pois eram bandidos.

Quanto a este caso, o tenente-coronel Rogério Leitão, relações públicas da PM, aprovou a ação dos policiais porque eles reagiram apenas a uma “injusta agressão”. Ele ainda afirmou que os policiais só serão punidos se confirmada a versão de que eles não prestaram socorro às vítimas e recomendaram calma no atendimento feito por médicos.


Luiz Roberto: vítima de quem?

Atirar, depois perguntar

Todos os casos relatados acima (e tantos outros que poderíamos continuar citando) aconteceram em menos de um mês e meio na cidade do Rio de Janeiro e no Paraná. Casos e situações diferentes, vítimas e algozes semelhantes. Mas afinal, qual o motivo de tantos “acidentes”?

Um dos argumentos seria a falta de preparo da polícia militar, principalmente a carioca. Segundo declarações de próprios policiais que não se identificaram, muitos aprenderam a usar armas de fogo atuando nas ruas, sem receber nenhum tipo de preparo. Estratégias de abordagem, táticas de perseguição e até mesmo quando usar a arma, seriam lições que a PM do Rio desconhece.

A Polícia Militar de São Paulo, que afirma treinar seus membros para atirarem em último caso, registrou 221 mortes causadas por seus policiais de janeiro a maio deste ano (um aumento de 21% em relação ao mesmo período no ano passado). Enquanto isso, a PM do Rio de Janeiro registrou 502 mortes no mesmo período de 2008, índice 11% maior do que o período entre janeiro e maio de 2007.

Mas será que o problema não é mais sério que simplesmente culpar o treinamento (ou a falta dele) dos policiais?

É necessário repensar a política de ação contra a violência no Brasil. O “dedo no gatilho”, o ato de atirar e depois perguntar, está mostrando o quanto é desastroso combater a violência desse jeito. O resultado está em casos como os citados acima, a população acaba sendo vítima de uma postura errada da segurança pública de nosso país.

Por que não prender os bandidos ao invés de matá-los? Por outro lado, o sistema penitenciário do Brasil deixa claro o quanto é ineficaz: bandidos comandam ações criminosas de dentro dos presídios, debaixo dos narizes dos policiais (com ou sem o consenso deles).

A verdade é que, no Brasil, há um enorme ponto de interrogação quando a população (principalmente a do Rio) pára pra pensar em quem é o vilão e quem é o mocinho da história. Traficantes? Policiais? E assim, até mesmo aquela mínima parcela da polícia que trabalha honestamente (mesmo sem que o Estado ofereça condições decentes para tanto), acaba sendo misturada ao grande número de policiais corruptos e/ou despreparados, destreinados e/ou incompetentes.

É uma pena que no jogo de “polícia e ladrão” pessoas inocentes como a Patrícia, o Daniel, o pequeno João e o Luiz estejam entrando de gaiatos. E no papel do “ladrão”.

Dicas culturais:

Dizem que ela existe pra ajudar
Dizem que ela existe pra proteger
Eu sei que ela pode te parar
Eu sei que ela pode te prender

Polícia! Para quem precisa?
Polícia! Para quem precisa de polícia?

Dizem pra você obedecer
Dizem pra você responder
Dizem pra você cooperar
Dizem pra você respeitar


Polícia, Titãs

"O policial tem 3 opções: ou se omite ou se corrompe ou então vai para a guerra." – Cap. Nascimento (Wagner Moura) em Tropa de Elite.

E aí?

Manda bala (metaforicamente falando, é claro) e dê sua opinião! Afinal, por que casos como estes estão se tornando tão comuns no Brasil? Como evitar que tantos inocentes paguem com suas vidas o preço para que haja mudanças no sistema?

*Colaboração de Marla Rodrigues