Vidas secas
Com a chegada da seca no sertão, Fabiano e sua esposa Sinhá Vitória, os dois filhos, o papagaio e a cachorra Baleia foram forçados a mudar. Caminharam por uma longa jornada na terrível seca. Antes que morressem de fome comeram o papagaio, seguindo a viagem o menino mais velho desmaiou, seguiram carregando o pequeno, foi assim que encontraram uma fazenda abandonada onde se instalaram.
A seca acabou e Fabiano se acertou com o dono da fazenda. Era o vaqueiro daquela terra, logo houve uma ressurreição em todos e tudo. Os meninos, a cadela, Sinhá Vitória e o próprio Fabiano engordaram, na fazenda criaram porcos e bois.
Em um dia Fabiano foi até a cidade comprar o que faltava em casa, antes de ir embora resolveu tomar um copo de cachaça, se sentia por todos enganado acreditando que sempre lhe cobravam mais do que era certo, assim como o patrão que sempre lhe pagava menos com a história dos juros. Foi ai que um soldado amarelo apareceu e o chamou para um jogo de cartas, como o homem era autoridade, aceitou, mas logo após a primeira rodada foi embora. O soldado lhe seguiu o pertubando até que Fabiano enraivecido xingou a mãe dele. Com isso foi para cadeia. A ignorância que a pobreza lhe causara não permitiu que ele se explicasse e assim ganhou uma surra e uma noite na prisão.
Mesmo assim a vida melhorara, Sinhá Vitória acreditava que para a felicidade ser praticamente completa bastava uma cama de verdade diferente daquela que possuíam, feita de varas que os incomodavam durante o sono. Os meninos apenas se divertiam no barreiro junto com a cachorra Baleia. O mais novo em uma tentativa de imitar o pai tentou muntar um bode o que só lhe deu uma queda e humilhação por parte do irmão e de Baleia. E o menino mais novo, buscando o significado de inferno, apenas ficou chateado com a má vontade que lhe explicaram.
O inverno chegou e a família se acalentava frente à fogueira onde travavam pequenas conversas primárias. O natal também chegou e com isto toda a família vestida de roupas novas que só lhes incomodavam foi à missa, tanta gente os assustava e com a lembrança nunca esquecida da injustiça aprontada pelo soldado amarelo, Fabiano bebeu e saiu a desafiar os homens. Acabou deitado na calçada tirando um cochilo, enquanto Sinhá Vitória fumava e os filhos brigavam com Baleia por ter desaparecido.
Depois desses tempos Baleia adoeceu. Feridas apareceram, o pêlo caiu e ela emagreceu. Fabiano decidiu matá-la de forma rápida que lhe poupasse o sofrimento. Sinhá Vitória se trancou com os filhos e tampou-lhes os ouvidos. Fabiano com um tiro feriu o traseiro da cachorrinha que assustada se arrastou até os juazeiros onde sem compreender morreu.
Certo dia caminhando pela catinga Fabiano se encontrou com o soldado amarelo que nunca esquecera. Precipitou-se erguendo o facão, mas parou antes de ferir o homem. Viu como ele era um frouxo já que nem se aguentava de tanto tremer. Ficaram frente a frente até que o soldado viu que Fabiano recuara, perguntou-lhe o caminho, Fabiano respondeu tirando o chapéu.
As trapaças do patrão o pertubavam e as contas de Sinhá Vitória sempre mostravam que eles estavam sendo enganados, mas quando foi reclamar o patrão se encheu de fúria e disse que ele podia ir embora, Fabiano perdeu o emprego. Fabiano desculpou-se e foi embora. Nesse contexto a seca voltava.
O bebedouro secava, o rio também, vinham ainda dezenas de pássaros que bebiam o pouco de água que restava aos bichos que emagreciam. Fabiano matava-os, mas eram muitos. Os que ele matava salgavam e guardavam. A seca chegou. Fabiano sabia que era hora de partir, de fugir, mas adiava. Foi então que matou o único bezerro que lhes pertenciam e salgaram junto a carne dos pássaros, trancaram a fazenda e partiram. Sem avisar.
Fabiano se atormentava com as lembranças: o soldado amarelo, a cachorra Baleia, o cavalo que ficou pra morrer já que pertencia ao patrão e ele não podia levá-lo. Mas depois começaram a conversar e as léguas passaram sem nem verem, almoçaram e as esperanças de encontrar uma terra nova onde os filhos teriam futuros diferentes e eles um presente mais digno onde não precisariam fugir da seca, os levou embora.
Por Rebeca Cabral