Guimarães Rosa
Guimarães Rosa é uma de nossas maiores expressões literárias. Escritor de grande originalidade, reinventou a língua portuguesa e transcendeu os limites da prosa regionalista.
Por Marla Rodrigues"(…) Nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no nosso sangue narrar estórias; já no berço recebemos esse dom para toda a vida. Desde pequenos, estamos constantemente escutando as narrativas multicoloridas dos velhos, os contos e lendas, e também nos criamos em um mundo que às vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste modo a gente se habitua, e narra estórias que corre por nossas veias e penetra em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus homens (...) Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava todo o que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda."
(João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Diálogo com Guimarães Rosa".)
João Guimarães Rosa, ou apenas Guimarães Rosa, é um dos maiores escritores da literatura brasileira e, certamente, um dos mais importantes autores da língua portuguesa; língua que soube como nenhum outro escritor, reinventar. Guimarães Rosa aboliu as fronteiras entre a narrativa e a lírica, inserindo em sua prosa recursos de grande expressão poética. Além de ter inovado as técnicas narrativas, o escritor foi um hábil inventor de palavras, característica que está intrinsecamente relacionada com a sua escrita peculiar: é possível reconhecer imediatamente a escrita roseana entre tantas outras, tamanha sua originalidade. Os neologismos roseanos são fruto de uma extensa e intensa pesquisa linguística, que culminou em uma linguagem que aproveitou ao máximo a coloquialidade da fala do homem sertanejo.
"Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois."
(João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas.)
Guimarães Rosa, assim como outros escritores da prosa regionalista, viu-se diante de um problema de difícil solução: qual seria a linguagem mais adequada para narrar histórias do homem simples do interior do Brasil? Esse homem rural, ou sertanejo, como os homens retratados em suas obras, cuja realidade é muito diferente daquela vivida pelo homem das grandes metrópoles, não é falante da língua culta. O homem simples do interior é falante de uma língua regional, e tal fato não poderia ser menosprezado por Guimarães Rosa, que, diante do impasse, recriou na literatura a fala do sertanejo não apenas no plano do vocabulário — solução encontrada por seus pares para a dissolução do problema —, mas também no plano da sintaxe e da melodia da frase.
"...o aspecto metafísico da língua, que faz com que minha linguagem antes de tudo seja minha. (...) Meu lema é: a linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e como a vida é uma corrente contínua, a linguagem também deve evoluir constantemente. Isto significa que, como escritor, devo me prestar contas de cada palavra e considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas."
(João Guimarães Rosa, em entrevista a Günter Lorenz - "Diálogo com Guimarães Rosa".)
Embora tenha tido o cuidado de considerar o dialeto sertanejo, Guimarães Rosa não o fez de maneira realística ou caricata, como procederam outros escritores da literatura regionalista, que se preocuparam apenas com o plano vocabular. Rosa recriou a língua portuguesa em todos os níveis, resgatando termos em desuso, criando neologismos e fazendo uso de empréstimos linguísticos, inserindo esses elementos em estruturas sintáticas inovadoras. Em sua prosa, há um diálogo constante com a poesia, e essa característica é perceptível quando o escritor utiliza recursos tais como o ritmo, as aliterações, as metáforas e as imagens.
"Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou."
(João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas.)
Engana-se, entretanto, quem acredita que Guimarães Rosa tenha limitado sua prosa ao regionalismo. A intenção do escritor sempre foi a de criar tipos universais, embora inseridos em um contexto tipicamente brasileiro. Esse contexto, contudo, não foi elemento limitador, pois Rosa fez do sertão o mundo, transpondo com maestria os limites do espaço regional. Em Grande Sertão: Veredas, sua obra-prima, temas como o bem e o mal, o amor, a violência, Deus e o diabo, a traição, entre outros de cunho filosófico, realizam plenamente o intento do escritor de fazer de sua narrativa uma narrativa universal, em que todos os homens do mundo pudessem se reconhecer.
"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."
(João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas.)
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* A imagem que ilustra o artigo é capa do periódico “Cadernos de Literatura Brasileira”, do Instituto Moreira Salles.
Por Luana Castro
Graduada em Letras