Margaret Thatcher, entre a adoração e o ódio

Principal figura política britânica da década de 1980, a morte de Margaret Thatcher provoca o debate sobre as consequências do neoliberalismo.
Por Tales dos Santos Pinto

Cartaz mescla David Cameron e Thatcher, atual e ex-primeiro-ministro respectivamente, mantendo viva a memória nos cortes de direitos trabalhistas.*
Cartaz mescla David Cameron e Thatcher, atual e ex-primeiro-ministro respectivamente, mantendo viva a memória nos cortes de direitos trabalhistas.*
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A morte da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, no dia 08 de abril de 2013, despertou uma antiga polêmica em torno da principal figura política da Grã-Bretanha da década de 1980. Odiada pelos trabalhadores e adorada pelos capitalistas, a morte de Thatcher resultou tanto em homenagens na porta de sua casa como em comemorações pelo seu falecimento.

O legado político e econômico de Margaret Thatcher talvez possa ser utilizado nos próximos vestibulares para testar os conhecimentos dos vestibulandos sobre as mudanças ocorridas no mundo nas últimas três décadas.

Para auxiliar no entendimento desse legado político e econômico, que ficou conhecido também como Thatcherismo, pode-se começar pela posição de mineiros ingleses que participaram de greves no início da década de 1980, nos primeiros anos do mandato da ex-primeira-ministra, a primeira mulher a ocupar este posto.

Quando foi lançado o filme “A Dama de Ferro”, em 2012, o jornal francês Libération fez algumas entrevistas com operários que trabalhavam nas minas em 1980. Um deles disse: “Quando ela morrer, nós faremos a festa!” E foi o que se viu em alguns locais da Grã-Bretanha, principalmente no bairro de Brixton, em Londres. Faixas em que estava escrito “A bruxa está morta” dá uma dimensão do ódio nutrido por parte da população em relação à Margaret Thatcher.

O motivo talvez seja encontrado no fato de Thatcher ter enfrentado durante as greves o poder dos sindicatos dos trabalhadores à época, negando-se a negociar as reivindicações apresentadas e reprimindo violentamente os trabalhadores. Os mais de 100 mil trabalhadores que paralisaram as atividades durante um ano, em 1984, lutavam contra o fechamento das minas e o desemprego subsequente, mas não conseguiram que suas reivindicações fossem atendidas e viram o desemprego aumentar na Grã-Bretanha durante a década de 1980.

Na relação com o grupo separatista republicano da Irlanda do Norte, o IRA, a ação de Margaret Thatcher também foi dura. Ela não se sensibilizou com uma greve de fome de 66 dias realizada por prisioneiros em Maze, o que ocasionou a morte de 10 pessoas. Em consequência a essa indiferença, a ex-primeira-ministra sofreu um atentado à bomba, em 1984, no Grand Hotel, em Londres, durante uma reunião do Partido Conservador, do qual era a principal liderança.

Nas relações internacionais, a ação do governo de Thatcher na Guerra das Malvinas, expulsando as tropas argentinas da ilha – em que foram utilizadas bases militares no Chile, oferecidas pelo seu aliado Augusto Pinochet –, criou uma grande indisposição com os ditadores argentinos. A vitória britânica na guerra até hoje se faz sentir nas relações entre os dois países, a ponto de a presidente argentina Cristina Kirchner não ter sido convidada a participar do funeral de Thatcher.

Porém, há ações que a fazem ser homenageada pelas principais lideranças políticas e econômicas do mundo atual. A revista britânica The Economist afirmou que o mundo precisa agora é de mais Thatcherismo, e não de menos. E isto pelo fato de Margaret Thatcher ter sido uma das pioneiras na adoção das políticas neoliberais, que posteriormente boa parte dos países utilizaria como receituário para superar a crise econômica enfrentada pelo capitalismo ocidental a partir de 1974.

Talvez este aspecto seja importante ao vestibulando ter conhecimento, pois seu esgotamento é uma das causas da crise econômica que se iniciou em 2008, da qual ainda não se encontraram saídas satisfatórias em inúmeros países, principalmente os países meridionais da zona do Euro (Portugal, Espanha, Itália e Grécia). Um rápido histórico dos aspectos econômicos do neoliberalismo e do Thatcherismo pode auxiliar neste ponto.

Após o fim da II Guerra Mundial, o capitalismo ocidental, principalmente os EUA e a Europa, conheceu um período de intenso crescimento econômico e de melhorias das condições materiais de vida de suas populações, baseadas na intervenção do Estado na economia e no aumento da produtividade da força de trabalho. Esse tipo de intervenção, influenciada pelo economista John Maynard Keynes, recebeu o nome de Estado de bem-estar social (Welfare State). Através dessa intervenção, o Estado detinha a propriedade de uma série de empresas e controlava inúmeros serviços sociais, como seguro-desemprego, sistema público de saúde, de previdência social, sistemas de transporte e outros mais, atendendo através de negociações parte das reivindicações apresentadas pelos sindicatos.

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A Dama de Ferro, Margaret Thatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha entre 1979 e 1990, falecida em 2013.**
A Dama de Ferro, Margaret Thatcher, primeira-ministra da Grã-Bretanha entre 1979 e 1990, falecida em 2013.**

Porém, com a crise econômica de 1974, que se iniciou com a elevação dos preços do petróleo, esse modelo passou a ser duramente questionado. Emergiu dessa crise a teoria econômica chamada de neoliberal, elaborada principalmente pelo economista austríaco Friedrich Von Hayek.

As teses deste economista defendiam uma mínima intervenção do Estado na economia, cabendo esse papel às empresas privadas e ao mercado, que regularia as relações econômicas e sociais. Segundo ele, essas medidas levariam a uma volta do liberalismo clássico, que supostamente teria existido no capitalismo, desde sua origem até o período do “entreguerras”. Boa parte dos serviços executados pelo Estado passaria às mãos da iniciativa privada. Ao Estado caberia a função econômica de controlar a inflação e a emissão de moeda.

Para executar essa proposta era necessária uma força política capaz de enfrentar diversas oposições. Na Grã-Bretanha, esse papel foi assumido pela conservadora Margaret Thatcher. Eleita primeira-ministra em 1979, passou a privatizar uma série de empresas, cortar impostos e gastos públicos e a desmantelar inúmeros programas sociais oferecidos à população. Enfrentou, ainda, como vimos em um exemplo acima, os sindicatos de trabalhadores no intuito de minar sua influência e força reivindicativa. O neoliberalismo foi adotado ainda nos EUA e no Chile na década de 1980, controlados por líderes conservadores como Thatcher.

O resultado dessas medidas foi a melhora nas contas públicas do Estado britânico e uma reativação econômica, já que os capitalistas privados começaram a lucrar com as empresas e serviços que passaram a exercer. Para boa parte da população, as consequências principais foram o desemprego e a necessidade de destinar parte do salário recebido a serviços antes oferecidos pelo Estado.

No âmbito da política internacional, Thatcher se destacou também nas negociações para a aproximação da URSS com o mundo do capitalismo ocidental, após a subida ao poder de Mikhail Gorbatchev. As duras negociações levaram os soviéticos a apelidar a primeira-ministra de Dama de Ferro. Na relação com a Europa continental, Thatcher se opunha à integração com a União Europeia, o que levou o Partido Conservador a afastá-la da liderança. Com isso, ela deixou o posto de primeira-ministra em 1991.

O Thatcherismo se caracterizou, grosso modo, pela adoção dos preceitos econômicos neoliberais e pela condução conservadora da política de Estado, principalmente diminuindo o atendimento às reivindicações dos trabalhadores. Medidas semelhantes iriam se espalhar pelo mundo durante a década de 1990 e estão na origem da crise econômica iniciada em 2008. Se na China e no Brasil, por exemplo, a saída dessa nova crise passa pela ação conjunta entre Estado e capitalistas privados, na área meridional da zona do Euro, as medidas de austeridade buscam aprofundar as medidas neoliberais.

Livro de Thatcher colocado na porta de sua casa escrito, dentre outras coisas, “Nós te amamos”.***
Livro de Thatcher colocado na porta de sua casa escrito, dentre outras coisas, “Nós te amamos”.***

A importância de Thatcher na vida política britânica e mundial foi grande. Também causou intensas polêmicas. Um livro seu, colocado na porta de sua casa, escrito na capa “nós te amamos”, dá a dimensão de que ela era querida. Mas o fato de na mesma porta colocarem uma garrafa de leite, relembrando sua decisão de cessar a distribuição gratuita de leite às escolas primárias, quando era Ministra da Educação, em 1970, explica, de certa forma, as comemorações pelo seu falecimento.

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[1] Libération, mercredi. 15 février, 2012, À l’affiche. Cinéma. III. Sonia Delesalle Stolper.

² Leia na íntegra: The economist - Margaret Thatcher – Freedom fighter

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* Crédito da Imagem: 1000 Words e Shutterstock.com

** Crédito da Imagem: David Fowler e Shutterstock.com

*** Crédito da imagem: dutourdumonde e Shutterstock.com

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